Cearense que é cearense festeja o azul-escuro da chuva e se enfia no primeiro agasalho comprado na Renner mal o termômetro bate os 24 graus Celsius, mas logo se enfada se o aguaceiro levar mais que três dias, engelhando a alma e plantando uma frieira existencial nos cantinhos do pensamento.
Roupas secando atrás da geladeira, parede fria, azulejo que não dá pra andar descalço, a toalha fedida, uma goteira ou infiltração cujo conserto há anos vem adiando e de repente resolve aparecer e cobrar seu preço, mas, no meio da crise, quem pode se ocupar de resolver a pendência doméstica tão prosaica, sobretudo porque o dinheiro está curto?O tempo bonito pra chover tem um ônus, e logo entendemos que nem tudo são flores nesse friozinho aguamirangado, tão instagramável e propício a garrafas de vinho abertas e repositórios de rolhas e outros detalhes da vida exibível que rapidamente se enxameiam pelas redes enquanto Heráclito Graça e Beira Mar vão se enchendo.
No quarto dia, porém, quando já se tinha acostumado ao tempinho mais ameno e esquecido que vivemos abaixo da linha do Equador sob um maçarico ligado no máximo quase sempre, eis que o Sol, astro-rei impiedoso, ressurge, agora com redobrada energia, o que se traduz rapidamente em calor e mormaço e o buço porejando se resolvemos varrer a casa entre meio-dia e três da tarde.
A água acumulada nas calhas e calçadas e empoçada nas ruas começa a evaporar, acentuando a sensação térmica de chaleira no fogo alto num quarto sem janela e porta fechada em casa com fachada pro nascente.
Rápido pomos a roupa na máquina ou no tanque e depois no varal. Estendidas, finalmente, mas para que roupas, pergunta-se inconformado o filho desta terra, se o tempo impõe uma nudez como única condição de enfrentar os 32°C à sombra, de modo que vestir-se é também uma maneira de se torturar e o melhor é andar todo mundo ao natural?
Espicaçado por esse dilema tão chinfrim e tipicamente local, o cearense se debate entre adorar a chuva que lava as ruas e apazigua o corpo curtido de UVAs e UVBs o ano inteiro, ou o Sol farto que esteriliza a casa e impede escorpiões e baratas de se aninharem atrás do guarda-roupa ou dentro da caixa de sapato, como aconteceu aqui em casa não faz duas semanas.
De minha parte, gostava mais que o céu limpo e o carregado entrassem num acordo e se alternassem durante a semana, dividindo-se proporcionalmente às necessidades do morador a depender da época.
De segunda a quarta, por exemplo, chuva boa até pra encher açude. Quinta e sexta, sol pra secar roupa e bronzear na praia quando a pandemia deixar.
Sábado e domingo, quando ficamos na dúvida se saímos ou folgamos em casa, a sorte decide.
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