Num dia qualquer no meio das
férias, decidi pintar uma parede. Parecia uma boa ideia. Sim, de fato, eu
dispunha de tudo de que um pintor de paredes precisa: tempo, material e uma superfície
que carecia de uma boa mão de tinta, já que fora diligentemente riscada por
minha filha nos últimos três anos, de modo que quem entrava em nossa casa
deparava sempre com um mural de garatujas rupestres em marrom, laranja e verde
que incomodavam a vista, ainda que fossem bonitinhas.
Tudo bem, eu disse a mim mesmo,
convencido de que a mera proatividade era suficiente para o sucesso da minha
empreitada. Afinal, eu já havia dedicado uma semana inteira a jogar videogame e
mais três ou quatro dias a escrever um projeto que talvez não dê em nada. Também
tinha me recusado a levar o gato para o banho. Estava em dívida, portanto. Não
custava, agora, empregar uma fração dessas horas livres numa atividade
doméstica cujos resultados trariam benefícios incalculáveis para toda a família,
certo? Qual o quê.
Pintar uma parede não é como
passar manteiga no pão, analogia a que ingenuamente recorri ao justificar, com
ar professoral, aquele súbito interesse em tornar o ambiente mais confortável
para os olhos dos de casa. Na verdade, é bem diferente, e apenas muito
tardiamente descobri isso, quando já não havia tempo para desistir e metade da
obra estava acabada – no sentido de que faltava a outra metade, não no de que o
trabalho era correto e de bom gosto.
Primeiro foram as listras que
ficaram após a primeira demão. Depois as bolhas. Quando finalmente havia dado
cabo de ambas, nacos de tinta endurecida se desprenderam com a passagem do
rolo. Ou seja, eu tinha de escolher: ou deixava mal pintado, ou ficava com a
parede inteira. Não teria as duas coisas. Escolhi um meio termo: parte da
parede pintada exemplarmente, parte à espera de reparos. Na minha cabeça, era a
melhor escolha. Apenas na minha cabeça.
Sobre isso, basta que diga que
todos que agora entram na casa sentem saudades das figuras que minha filha desenhou
na sala, ainda que não tivessem pé nem cabeça e lembrassem os muros de uma
escola pública num bairro de periferia nos anos de 1990, repletos de pichações
do Slayer.
A experiência, não de todo
fracassada, já que me ensinou novamente o valor da humildade diante de coisas
que não dominamos, me levou a advertir outros pais desavisados com quem eu
havia falado e que, neste mês de janeiro, aproveitando férias e filhos por
perto, manifestaram interesse em tocar suas obras de arte: preservem suas
paredes. Primeiro, da algaravia excessiva dos pequenos. Segundo, e não menos
importante, da boa vontade dos adultos. E se precisarem se desfazer de algum malfeito
pictórico que foi ficando e ficando, não é vergonha contratar um profissional.
Mas, se mesmo assim insistirem
em seguir adiante nessa disparatada aventura que é fazer algumas coisas por
conta própria supondo que temos habilidades infinitas, nem pensem em começar sem
estarem adequadamente vestidos, do contrário o estrago causado é grande:
centenas de manchinhas brancas que nos acompanharão por dias e dias, mesmo
depois de banhos demorados e longas sessões de esfregação.
Não é exagero dizer a quem a se
atreve a meter-se com tinta: “Vós que entrais, abandonai toda a esperança”. Esse
é o recado de um pai que achava que pintar era como besuntar um pão com margarina,
mas descobriu que estava mais para montagem de árvore de Natal, outro esporte
doméstico de altíssimo risco.
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