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Um dia: 29 de dezembro de 2006*


"Acho que este é o último post do ano. Amanhã já não pensarei em escrever mais nada aqui antes da estúpida contagem regressiva e da queima de fogos e de tantas outras coisas que marcam, ritualisticamente, um passo à frente (?) na vida de todos nós. Em 2007 terei vinte e sete. Em 2008, vinte e oito, e assim sucessivamente. “Somam-se-me os anos”, alguém disse isso.

Tinha pensado em escrever um post mais sofisticado, rebuscado em suas elucubrações e, a um só tempo, terno e simples. Bonito, quem sabe. Um post cativante. Mas desisti. Estou de saco cheio deste ano, desta vida e, principalmente, do meu teclado. É duro, escroto de teclar. Então, devo ser o mais breve possível, o mais rápido. E dizer a que vim. Pena não saber.

De qualquer forma, acho que vim dizer feliz ano novo, embora não entenda bem os motivos que nos levam a entupir caixas de emails com mensagens de final de ano. Não é que não goste do período. Até gosto, lembro da infância e daquela bombinha maldosa que joguei nos pés de uma senhora aleijada de uma perna. Foi logo depois da queima de fogos. Estávamos numa esquina, e ela, que não era de muitos amigos, via tudo de longe. Talvez nos temesse, sei lá. O fato é que, empolgado com os fogos, acendi uma das minhas rasga-latas e a atirei aos pés da Maria – era o nome dela. Acho que já morreu. É que, além de deficiente, era um bocado idosa.

Sim, eu sei, nunca fui um bom menino. Matava meus próprios peixes depois que enjoava de brincar com eles. Da mesma forma com a criação de galinhas da minha avó. Os pintinhos serviam de alvo para testar minha pontaria com a baladeira. Dessa sanha nem minha irmã, de cinco anos ou menos, escapou. E assim fui crescendo, maldito e temido entre os bichos. Respeitado entre os humanos.

É disso que me fala o ano novo, dessas coisas de meninice, de quando morava num bairro bem distante de tudo e conhecia muitas pessoas. De quando brincava num sítio gigantesco, nadava num rio poluído e jogava bola sem saber jogar, apenas por intuição. Depois fui melhorando, até que cheguei ao patamar de razoável atacante no time da escola. Isso há uns bons nove anos, eu acho.

Curioso, a falta de flexibilidade das teclas influi no jeito que escrevo. Quando estou no trabalho, a escrita como que fica mais nervosa. Não pelo fato de estar blogando quando deveria estar fazendo outra coisa. Trabalhando, por exemplo. 

Mas talvez porque o teclado que uso lá seja bem leve, com teclas que convidam a um texto mais escorrido e longo. Aqui em casa, contento-me com a ordem direta do discurso e evito manobras mais ousadas. Faço o feijão-com-arroz, e estamos conversados.

Então, acho que era isso. Não sei se fico, não sei se vou. Na Praia de Iracema, aqui em Fortaleza, vai ter Elba Ramalho e uma queima com duração de quinze minutos. Não gosto de Elba, muito menos de ficar olhando o céu iluminar-se artificialmente. Acho que ficarei em casa mesmo, vendo um filme ou dormindo. Para vocês, um feliz ano novo."

[Texto escrito num blog antigo e publicado em 29 de dezembro de 2006]

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