Escrevi o texto “Velhinho da slime” na manhã dessa terça-feira, 5, portanto antes da postagem no Youtube na
qual o Nilson Isaías, 71 anos, nega as acusações que têm sido feitas contra ele
e lamenta a onda de boatos da qual se tornou vítima. Segundo ele, trata-se de “fake
news”.
O vídeo, titulado de “Aviso
urgente”, pode ser visto no canal do idoso, que já tem cerca de 2,4 milhões de
assinantes em apenas dois dias.
Nem preciso dizer como me senti
devastado quando li os comentários ligando Nilson, cujos vídeos eu já havia
assistido e dos quais me tornara fã, a suspeitas de pedofilia. Embora conheça
casos semelhantes, nos quais homens já idosos se revelaram monstruosos por uma
razão ou outra, a mera hipótese de que ele pudesse não ser quem era foi um golpe
duríssimo.
Suponho que a maior parte das
pessoas que já o conheciam também tenha reagido assim, entre a incredulidade e o
choque.
Afinal, quem era Nilson? O avô
bondoso que quase me levou às lágrimas quando finalmente conseguiu preparar uma
slime perfeita? Ou o homem cuja vida tinha um fundo falso sob o qual se
escondia um Mr. Hyde?
Nessa crônica, nem me atrevo a
jogar luz sobre nada, mas apenas a iniciar uma conversa a respeito de como as
audiências, principalmente nas redes sociais, operam essa metamorfose médico/monstro
num piscar de olhos. Num dia, médico, no outro monstro, sem gradações, apenas o elevador despencando no fosso vazio e a vertigem que se segue.
Ora tendendo a um, ora a outro,
no entanto, guiam-se a partir de rastros e pistas falsas através dos quais
tentam confirmar verdades previamente fornecidas, reforçando-as, ainda que a realidade aponte para outro lado - a realidade fática, nesses casos, é mero detalhe.
Elisabeth Roudinesco,
pesquisadora citada no texto, escreveu um livro sobre os perfis dos perversos,
essas figuras cuja desumanidade as afasta da média da sociedade, que se sente
confortável em vê-los como um corpo estranho – algo de que não fazem parte. Entre
eles está o pedófilo.
Uma das passagens do meu texto afirma
que a “ascensão e queda de Nilson, se
confirmadas essas acusações, mostram que essa obscuridade de que fala
Roudinesco está muito próxima de cada um de nós”.
Quero frisar novamente: se confirmadas as suspeitas.
Quero frisar novamente: se confirmadas as suspeitas.
A esta altura (madrugada de
quarta-feira, 6), já li duas dezenas de “threads” provando que Nilson é
inocente e outras tantas dizendo o contrário, que o fato de ele curtir apenas
vídeos de crianças é indício suficiente de sua culpa (ele apagou o histórico
dos seus vídeos no canal, no qual constava a lista das postagens que ele
costumava acompanhar).
Continuo desconfiado, porém. Tristemente
desconfiado.
Primeiro porque admitir a
possibilidade de que Nilson, em algum momento de sua vida, tenha abusado de
crianças soa como reconhecer que qualquer um de nós seria capaz do mesmo. “A
parte maldita”, como diz Bataille, estaria em toda parte, não separada do
restante do corpo saudável, mas muito próxima. Isso é profundamente incômodo.
Segundo: se tudo se mostrar
apenas o que espero que seja, e essas suspeitas não passarem de rumores sem
fundamento, ainda assim o episódio terá sido mais um exemplo triste de como as
fronteiras entre céu e inferno nas redes sociais hoje em dia são muito porosas.
Enquanto pesquisava, houve um
momento em que senti que atestar a inocência de Nilson era vital para mim, como
se disso dependesse não apenas a noite de sono, mas algo infinitamente mais
valioso. Para usar uma palavra que não uso com frequência: talvez disso
dependesse alguma fé.
Eu precisava entender se
poderia continuar acreditando que o “velhinho da slime” era a pessoa não que
dizia ser, mas a que parecia ser. Ou a pessoa que eu acreditava que ele fosse,
uma em quem eu havia confiado automaticamente apenas com base nos seus vídeos
preparando essa gosma colorida.
E lá estava o fantasma de uma mancha
insidiosa envenenando essa projeção virtual que eu fazia de um desconhecido a partir da noção arquetípica de que os velhos são naturalmente puros. Que fazer?
A falta de surpresa diante do
mal é um fracasso. A surpresa também.
Comentários