Um dia, abri a caixa de emails
e havia uma mensagem de um escritor que trata de múltiplas crises e paternidade,
um texto longo mas didático sobre como esse cara – um jovem branco, menos de 40
anos, pai de uma menina de um ano - se sente incapaz de elaborar ficcionalmente
os problemas do dia a dia, entre os quais se encontra o esgotamento de uma
certa ideia de masculinidade.
Coincidência ou não, dois dias
atrás comecei a ler um romance que aborda, por via diferente, o mesmo problema:
um bloqueio que se parece com um beco sem saída criativo diante do qual outro
homem ainda jovem reconhece bovinamente que não há nada sobre o que escrever exceto
sobre a falta de assunto, um tropo recorrente na literatura mas que, tratado
dessa maneira e neste contexto, lembra uma forma de escapismo.
Como se houvesse um tema – “o” tema,
eu diria – sobre o qual esses narradores não conversam, ou deliberadamente resolveram
não enxergar, que é a própria crise do homem que homens como eles e eu
representam tão bem, mas da qual vêm evitando tratar abertamente em livros e
filmes.
E então o autor desse romance cita o Karl
Ove, um escritor norueguês muito charmoso que elevou o banal à categoria de
arte ao dedicar nada menos que 3,5 mil páginas de sua autoficção à vida mais
besta, essa que corre entre horas intermináveis, no vaso sanitário ou numa
consulta médica, entre lamentos quanto à falta de amor e o cuidado necessário
que os filhos requerem.
Karl Ove, ele diz, cantou a
pedra: ali está o macho agonizando interminavelmente, entretido com um
mecanismo que domina – a literatura –, mas sem outra matéria-prima que não a
própria vida, a qual toma entre as mãos e decide converter em outra coisa – um
mergulho fundo e quase desesperado no cotidiano masculino repleto de angústia.
Disso tudo, das leituras ainda
pela metade e dos indícios que flutuam no ar, intuí duas coisas. Coisa um: não é
a primeira vez que leio sobre homens às voltas com uma crise do narrar,
enquanto, por outro lado, pululam exemplos de mulheres arejando a literatura de
muitas maneiras - Samanta Schweblin, Isabela Figueiredo, Selva Almada e Elena
Ferrante, para citar apenas quatro.
Nesse mesmo texto enviado por
mensagem, o Daniel – é o primeiro nome dele – admite um desconforto com o seu último
romance, publicado três anos atrás. É um livro de relativo sucesso. Fala exatamente
sobre a exaustão afetiva e ambiental numa metrópole brasileira em clima de fim
dos tempos.
Nada mais contemporâneo e
sintomático, eu pensava à medida que avançava na leitura, em 2015 ou 2016, vendo
as personagens atravessarem um deserto de impasses que, no geral, eram muito
próximos de tudo que eu vivia naquele momento. Que resposta encontraram? Não faço
ideia.
E essa é a coisa dois: não sei
se porque tenha escolhido ler mais autoras ultimamente ou se porque os
escritores que caíram nas minhas mãos estejam passando por mudanças semelhantes, desconfio
de que os homens, sobretudo nas artes, ainda não perceberam que o centro das
coisas se deslocou sensivelmente e que o poço de onde jorrava
toda a matéria literária com que cevaram seus alter-egos por anos e anos subitamente
parece ter secado.
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