Numa lista breve, encontro pelo
menos dez escritores que trabalhavam de pé. Hemingway e Roth entre eles. Woolf
também. Além de Nabokov e Pessoa. A lista segue em frente.
Não vejo pontos de relação entre
as obras desses autores, e o fato de que trabalhassem de pé tampouco me parece
uma condição determinante sobre o tipo de literatura que acabaram produzindo.
Mas observo que, em pé, há um
fator que difere de todos os outros quando se escreve sentado: a pressa.
Há muita urgência pra terminar.
Pra ser claro. Pra dizer sem volteios. Pra que o leitor entenda que, do lado de
cá, tem alguém em posição desconfortável operando com o máximo de objetividade a
fim de chegar ao final. Como se esperasse no ponto de ônibus.
Porque as pernas cansam, os
ombros pesam mais e a cabeça se inclina pra baixo num ângulo que a faz parecer
um ponto de interrogação entristecido com a eterna falta de resposta para as
grandes questões da vida. E nisso pensamos bem pouco quando imaginamos a
atividade da escrita: no corpo. Creio que deva existir nexo direto entre nossas
predisposições físicas e os gostos literários.
Isso tudo somado, acresce dizer
que a transpiração também é maior. Gastamos mais energia escrevendo em pé do
que sentados. É como uma ginástica. Um polichinelo sem sair do lugar ou mover
braços e pernas. Apenas dedos batucando no teclado. O corpo, porém, está ereto
de um modo que talvez só tenha estado quando os macacos se puseram de pé na
aurora da civilização.
As comparações terminam aí. Nem
esses autores se pareciam entre si, nem eu, dispensável dizer, me aproximo de
qualquer um deles, senão pelo motivo de que, podendo escrever sentados,
escrevemos de pé. E nisso somos todos iguais.
Foi uma escolha? No caso da maioria, talvez sim. No meu, não. Escrevo
em pé porque não tenho cadeira em casa. Escrevo porque, a certa altura, e já há
dois dias sem escrever nada e portanto sentindo os primeiros efeitos dessa
casmurrice que advém da privação de escrita, me obriguei a escrever assim.
De pé. Como se esperasse. O quê,
José?
E agora penso se, escrevendo de
pé, não estão aliadas duas condições antinaturais: uma, o ato em si de
escrever, a outra, estar de pé. Visto que passamos a maior parte do nosso tempo
ou sentados ou deitados, caminhar ou estar parado configura posição não tão
frequente.
Se você não é um atleta, um
segurança de banco ou vigia noturno, estar de pé é algo que fazemos apenas
esporadicamente.
Daí que a obra desses autores
no fundo talvez tenha algum elo secreto com o fato nada corriqueiro de que eles
datilografavam de pé e não sentados. Alguns, ainda por cima, dando voltas no
quarto.
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