Olha, essa obrigação de concatenar
pensamentos expressos em frases que, em conjunto, tenham um significado além do
mero registro em dicionário, que digam mais do que um ajuntamento qualquer de
palavras, a obrigação de afirmar com todas as letras isto é isto, aquilo
é aquilo, de prolongar o que se resolve num parágrafo, achar que escrever mais
seria uma forma de atenuar, essa compulsão em fazer sentido e com isso
convencer os outros, a pretensão de se abrir em liquefeita razão, clarear as
ideias como se clareiam os dentes, o desastre que é mecanizar a volta do
ponteiro, a desgraça que também é relativizar tudo, a merda que todo mundo faz
no momento exato em que aceita que da calçada pra fora a vida é esse jogo mesmo e
que cabe a cada um jogar da melhor forma possível.
Coleciono inícios, restos de frases, pedaços e quinas das coisas que podem eventualmente servir, como um construtor cuja obra é sempre uma potência não realizada. Fios e tralhas, objetos guardados em latas de biscoito amanteigado, recipientes que um dia acondicionaram substâncias jamais sabidas. Se acontece de ter uma ideia, por exemplo, anoto mentalmente, sem compromisso. Digo a mim mesmo que não esquecerei, mas sempre esqueço depois de umas poucas horas andando pela casa, um segundo antes de tropeçar na pedra do sono ou de cair no precipício dos dias úteis. Às vezes penso: dá uma boa história, sem saber ao certo de onde partiria, aonde chegaria, se seria realmente uma história com começo, meio e final, se valeria a pena investir tempo, se ao cabo de tantos dias dedicado a escrevê-la ela me traria mais felicidade ou mais tristeza, se estaria satisfeito em tê-la concluído ou largando-a pela metade. Enfim, essas dúvidas naturais num processo qualquer de escrita de narrativas que não são