Olha, essa obrigação de concatenar
pensamentos expressos em frases que, em conjunto, tenham um significado além do
mero registro em dicionário, que digam mais do que um ajuntamento qualquer de
palavras, a obrigação de afirmar com todas as letras isto é isto, aquilo
é aquilo, de prolongar o que se resolve num parágrafo, achar que escrever mais
seria uma forma de atenuar, essa compulsão em fazer sentido e com isso
convencer os outros, a pretensão de se abrir em liquefeita razão, clarear as
ideias como se clareiam os dentes, o desastre que é mecanizar a volta do
ponteiro, a desgraça que também é relativizar tudo, a merda que todo mundo faz
no momento exato em que aceita que da calçada pra fora a vida é esse jogo mesmo e
que cabe a cada um jogar da melhor forma possível.
Outro dia, por razão que não vem ao caso, me vi na obrigação de ir até a Cidade 2000, um bairro estranho de Fortaleza, estranho e comum, como se por baixo de sua pele houvesse qualquer coisa de insuspeita sem ser, nas fachadas de seus negócios e bares uma cifra ilegível, um segredo bem guardado como esses que minha avó mantinha em seu baú dentro do quarto. Mas qual? Eu não sabia, e talvez continue sem saber mesmo depois de revirar suas ruas e explorar seus becos atrás de uma tecla para o meu computador, uma parte faltante sem a qual eu não poderia trabalhar nem dar conta das tarefas na quais me vi enredado neste final de ano. Depois conto essa história típica de Natal que me levou ao miolo de um bairro que, tal como a Praia do Futuro, enuncia desde o nome uma vocação que nunca se realiza plenamente. Esse bairro que é também um aceno a um horizonte aspiracional no qual se projeta uma noção de bem-estar e desenvolvimento por vir que é típica da capital cearense, como se estivessem oferec...