Pular para o conteúdo principal

"Mergulhem fundo em 2014", recomenda Luíza Ambiel



Última postagem do ano antes de fechar para breve balancete, esse acerto de contas existencial que precede a abertura de um novo caderno de fiado na bodega da esquina. Depois disso, carregarei “tô externo” tatuado na testa e não atenderei ligações após as 23 horas, salvo em caso de comunicado importante (seu bilhete foi premiado na Mega da Virada, por exemplo).

O que é o Natal 
Passado esse momento de estupefação que é o Natal, intervalo no qual ninguém se surpreende que um homem velho e visivelmente acima do peso carregando uma sacola de presentes tenha que enfrentar mil e um obstáculos arquitetônicos para finalmente executar um gesto de bondade (reparem que nosso papel é o de criar barreiras para a escalada do Papai Noel, um exemplo flagrante de postura anti-natalina) – superado esse instante de euforia, convém reorientar o canhão de plasma das boas energias em direção aos festejos de ano novo.

Um desejo 
Se uma vendedora da Avon me perguntasse de supetão o que gostaria de eliminar da minha vida em 2014, não tenho dúvidas de que responderia: o número de vezes em que me meto em discussões gratuitas. Digo, sem medo de errar, que, de agora em diante, não apenas convidarei o bom velhinho a entrar pela porta da frente e cear com a família a cada Natal, como terei hombridade e sabedoria para identificar: 1) provocações justas – bem-vindas, ainda que nos matem de raiva; 2) provocações gratuitas – alimentadas por sentimentos comezinhos, ainda que travestidas de argumentação fundamentada; 3) provocações de rotina, que, se não são gratuitas nem parecem justificadas, cumprem a nobre função de manter a roda de idiotices girando a pleno vapor nas redes sociais.

O ano que vem 
Estou apostando que, mesmo difícil, 2014 será o ano mágico por excelência. Guardo um pouco de esperança para 2015, é verdade, mas confesso: joguei todas as fichas no cavalo que leva esse número. Fui encorajado por um biscoito chinês cuja sorte me pareceu inequivocamente benfazeja: muita coisa pode acontecer. É tempo de foder ou sair de cima. Foder sem sair de cima. Foder sem ficar em cima.

Livros
Pretendia elaborar uma lista de melhores leituras de 2013, mas, como um pato desastrado em pleno voo no quintal dos meus dias, fui novamente abatido pelas contingências. Daria trabalho reagrupar livros espalhados pelo quarto, relembrar trechos, recuperar registros, embasar escolhas, tarefa que, por ora, reputo como desgraçada e pouco atraente. E ainda tenho que fazer o mercantil.   

Nesse fiapo de tempo que ainda resta, me satisfaço em recomendar cinco livros, dois romances, um de contos e dois de poemas. Os romances: Divórcio, de Ricardo Lísias; e A cidade, o inquisidor e os ordinários, de Carlos de Brito e Mello. O de contos: Tipos de perturbação, de Lydia Davis. Os de poesia: Mínimas líricas, de Paulo Henriques Britto, e Antologia, de Adília Lopes. À exceção do último, todos os demais foram publicados neste ano.

Votos de felicidade 
Agora peço licença para reproduzir os votos de felicidade oferecidos por Luíza Ambiel, eterna musa da banheira. 

Imaginem que 2014 é um tanque e que no fundo desse tanque há uma válvula que precisa ser fechada, do contrário uma cidade inteira ficará sem água por tempo indeterminado, colocando em risco não somente a higiene, mas a vida de muita gente. Mergulhem nesse tanque, garotada, e só voltem à tona para dizer que estão tentando apertar os parafusos certos. Jamais desistam da sua válvula - que é outra palavra bonita para sonhos. 

Boas festas, bom fim de semana, feliz ano novo.  

Postagens mais visitadas deste blog

Restos de sombra

Coleciono inícios, restos de frases, pedaços e quinas das coisas que podem eventualmente servir, como um construtor cuja obra é sempre uma potência não realizada. Fios e tralhas, objetos guardados em latas de biscoito amanteigado, recipientes que um dia acondicionaram substâncias jamais sabidas. Se acontece de ter uma ideia, por exemplo, anoto mentalmente, sem compromisso. Digo a mim mesmo que não esquecerei, mas sempre esqueço depois de umas poucas horas andando pela casa, um segundo antes de tropeçar na pedra do sono ou de cair no precipício dos dias úteis. Às vezes penso: dá uma boa história, sem saber ao certo de onde partiria, aonde chegaria, se seria realmente uma história com começo, meio e final, se valeria a pena investir tempo, se ao cabo de tantos dias dedicado a escrevê-la ela me traria mais felicidade ou mais tristeza, se estaria satisfeito em tê-la concluído ou largando-a pela metade. Enfim, essas dúvidas naturais num processo qualquer de escrita de narrativas que não são

Essa coisa antiga

Crônica publicada no jornal O Povo em 25/4/2013  Embora não conheça estudos que confirmem, a multiusabilidade vem transformando os espaços e objetos e, com eles, as pessoas. Hoje bem mais que antes, lojas não são apenas lojas, mas lugares de experimentação – sai-se dos templos com a vaga certeza de que se adquiriu alguma verdade inacessível por meios ordinários. Nelas, o ato de comprar, que permanece sendo a viga-mestra de qualquer negócio, reveste-se de uma maquilagem que se destina não a falsear a transação pecuniária, mas a transcendê-la.  Antes de cumprir o seu destino (abrir uma lata de doces, serrar a madeira, desentortar um aro de bicicleta), os objetos exibem essa mesma áurea fabular de que são dotados apenas os seres fantásticos e as histórias contadas pela mãe na hora de dormir. Embalados, carregam promessas de multiplicidade, volúpia e consolo. Virginais em sua potência, soam plenos e resolutos, mas são apenas o que são: um abridor de latas, um serrote, uma chave-estrela. 

Conversar com fantasmas

  O álbum da família é não apenas fracassado, mas insincero e repleto de segredos. Sua falha é escondê-los mal, à vista de quem quer que se dê ao trabalho de passar os olhos por suas páginas. Nelas não há transparência nem ajustamento, mas opacidade e dissimetria, desajuste e desconcerto. Como passaporte, é um documento que não leva a qualquer lugar, servindo unicamente como esse bilhete por meio do qual tento convocar fantasmas. É, digamos, um álbum de orações para mortos – no qual os mortos e peças faltantes nos olham mais do que nós os olhamos. A quem tento chamar a falar por meio de brechas entre imagens de uma vida passada? Trata-se de um conjunto de pouco mais de 30 fotografias, algumas francamente deterioradas, descubro ao folheá-lo depois de muito tempo. Não há ordem aparente além da cronológica, impondo-se a linearidade mais vulgar, com algumas exceções – fotos que deveriam estar em uma página aparecem duas páginas depois e vice-versa, como se já não nos déssemos ao trabalho d