Pular para o conteúdo principal

Monza do Amor vs. Racionalismo Cristão


Coral do Racionalismo cristão emenda um sucesso atrás do outro no bailinho da comunidade deísta

A quem perguntar se há na cidade um item que supere em mistério o famoso Monza abandonado na avenida desconhecida que à meia-noite, qual um Mara Hope do asfalto, emite sinais amorosos em todas as direções, respondam sim, há, e em seguida acrescentem: o prédio cuja fachada exibe uma frase intrigante, uma frase que desafia sentidos, janelas e hemisférios, uma frase que inspira terrores e suores noturnos em qualquer um.

A frase é: RACIONALISMO CRISTÃO.

Mas se se trata realmente de uma frase, e de fato tendemos a considerá-la como uma, é de se perguntar: o que faz em tão esquiva edificação? Que papel cumpre nesse complexo jogo de espelhos? E, mais importante, o que o Monza do Amor tem a ver com tudo isso?

Esses são enigmas secundários e talvez terciários quando comparados ao mistério que se esconde sob a fachada da construção de tijolos simples da qual jamais se vê uma vivalma ou mortalma sair, tampouco entrar, fato que tem gerado burburões de burburinhos na vizinhança (vide BINGO DA MADRUGADA).

Se há em Fortaleza um empreendimento que tem chamado minha atenção por anos a fio, seduzindo a imaginação e convidando a elaborar uma narrativa que explique não somente a junção algo debochada dessas duas palavras - RACIONALISMO CRISTÃO -, é esse da rua João Cordeiro, que se limita ao norte por uma casa, ao sul por outra, a leste por uma rua e a oeste pelo Parque Rio Branco, o marginal pulmão verde da metrópole litorânea.

Convém perguntar: por que tanto mistério? Portas cerradas, não há carteiro que desvende nem mórmon que apreenda a doce interrogação que sobrevoa a lacuna aberta numa das esquinas da cidade, não há quermesse nem trêfega turma de meninotes que saltem as grades em busca de uma bola embarcada e descubram lá no oco da falta de respostas uma solução para a agonia das mentes buliçosas.

Racional aqui, VALE DESTACAR, é supor que se trata de negócio escuso, de empresa suspeita, de falcatrua da fé? Claro que não. Prefiro imaginar o óbvio: que, uma vez lá dentro, quantidade limitada de homens e mulheres dedica-se (sem malícia) a colocar em prática (sem meias-palavras) um cristianismo nos moldes de Cristo (sem vergonha), radicalmente racional (sem redundância), essencialmente dessacralizado (sem limites). A razão da consciência a serviço da razão da carne e vice-versa (sem frescura). 
   
Ou é isso ou, DE FATO, não sei, de modo que sobrevive a lacunar construção como uma conta a pagar ou uma pendência antiga em direção a qual muitos se lançam com afoita energia, mas poucos retornam com algo mais que o vazio. 

Eu, por MEU TURNO, prefiro ficar no quarto, à espera de milagre que vá iluminar essa frase em letras GARRAFAIS com a qual tenho de lidar todos os dias antes de pegar o ônibus para ir trabalhar:

RACIONA...  

Sobre o Monza do Amor, aguardem cartas. 

Postagens mais visitadas deste blog

Museu da selfie

Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por

Cansaço novo

Há entre nós um cansaço novo, presente na paisagem mental e cultural remodelada e na aparente renovação de estruturas de mando. Tal como o fenômeno da violência, sempre refém desse atavismo e que toma de empréstimo a alcunha de antigamente, esse cansaço se dá pela falsa noção da coisa estudadamente ilustrada, remoçada, mas cuja natureza é a mesma de sempre. Não sei se sou claro ou se dou voltas em torno do assunto, adotando como de praxe esse vezo que obscurece mais que elucida. Mas é que tenho certo desapreço a essas coisas ditas de maneira muito grosseira, objetivas, que acabam por ferir as suscetibilidades. E elas são tantas e tão expostas, redes delicadas de gostos e desgostos que se enraízam feito juazeiro, enlaçando protegidos e protetores num quintal tão miúdo quanto o nosso, esse Siará Grande onde Iracema se banhava em Ipu de manhã e se refestelava na limpidez da lagoa de Messejana à tarde. Num salto o território da província percorrido, a pequenez de suas dimensões varridas

Conversar com fantasmas

  O álbum da família é não apenas fracassado, mas insincero e repleto de segredos. Sua falha é escondê-los mal, à vista de quem quer que se dê ao trabalho de passar os olhos por suas páginas. Nelas não há transparência nem ajustamento, mas opacidade e dissimetria, desajuste e desconcerto. Como passaporte, é um documento que não leva a qualquer lugar, servindo unicamente como esse bilhete por meio do qual tento convocar fantasmas. É, digamos, um álbum de orações para mortos – no qual os mortos e peças faltantes nos olham mais do que nós os olhamos. A quem tento chamar a falar por meio de brechas entre imagens de uma vida passada? Trata-se de um conjunto de pouco mais de 30 fotografias, algumas francamente deterioradas, descubro ao folheá-lo depois de muito tempo. Não há ordem aparente além da cronológica, impondo-se a linearidade mais vulgar, com algumas exceções – fotos que deveriam estar em uma página aparecem duas páginas depois e vice-versa, como se já não nos déssemos ao trabalho d