O jogo terminou; a história, porém, continua. Não há um prêmio para quem sobrevive à passagem do tempo. Há fiapos de duas vidas que se enovelaram em algum ponto e agora simplesmente não conseguem mais desatar.
A narrativa segue em frente, e não se trata
de um desses clichês de filmes de super herói cujo desfecho abre ganchos para sequências caça-níqueis que ficam piscando em néon. O fim de The
last of us cria uma extensão natural. É como o exercício de completar mentalmente
a palavra com letras suprimidas.
O desenvolvimento dessa história depende
menos da produtora Naughty Dog que da marca deixada em quem enfrentou a jornada
na pele de Joel e Ellie e, ao cabo de muitas horas, sentiu um frio atravessar a
espinha numa das cenas de maior arrebatamento e explosão.
Falei sobre as transformações por que passam as personagens. Disse que respondiam de maneira diferente em fases
distintas, o que demonstra que as ações e escolhas morais repercutiam no
caráter de ambas, forjando uma ética dentro do jogo: sobreviver é estabelecer
vínculos profundos. A par disso, tudo que representar ameaça à consolidação
desse vínculo, bem mais importante que a cura para qualquer moléstia, será
encarado como alvo.
Mas eu estava enganado.
A grande mudança em The last of us não ocorre com Joel e Ellie, ou não apenas com eles.
A principal transformação dá-se no jogador, que se surpreende, na segunda
metade da narrativa (quando o imperativo da sobrevivência coloca à prova todas
as habilidades adquiridas na primeira metade), pensando como Joel, agindo como
Joel, sentindo como Joel.
É um processo quase alquímico de
transferência de consciência e, claro, de ponto vista: você é o personagem. Nesse estágio, torna-se clara a estratégia, presente em qualquer arte ficcional (olha eu aqui relacionando indiretamente videogame e
arte): diluir ou eliminar por completo o distanciamento entre personagem e jogador.
Não é mais Joel correndo – é você.
Não é mais Joel atirando – é você.
Não é mais Joel desesperado quando Ellie reincide
no sumiço – é você.
Como The
last of us consegue fazer isso tão bem? Uma resposta possível é: personagens críveis, densidade, técnica apurada e conflitos palpáveis.
Acreditem: com a proximidade do fim, esse
desespero será real. Li muitos relatos de jogadores que disseram ter se sentido
maravilhosamente angustiados em momentos específicos da história, quase todos
relacionados às fugas de Ellie. O sentimento mais citado é o de perda, abandono, solidão.
O contrário também é verdadeiro. Quando os
papéis se invertem, e passamos a controlar a personagem da adolescente de 14
anos, nos vemos pedindo aos deuses que o pobre homem sobreviva.
O jogo dá, o jogo toma.
Não é tão difícil imaginar que essa
profunda identificação com Joel, fruto de uma empatia talvez sem paralelo em games,
construída com maestria ao longo de pequenas aventuras e conversas fortuitas
que se sucedem ao terror e à tensão de percorrer um mundo devastado, será a
responsável por tornar mais intensos toda dor e prazer.
O fim da jornada, que instaura uma dúvida insolúvel, é apenas mais um dos elementos que fazem desse jogo um verdadeiro épico.
Leia também A jornada de Joel e Ellie.
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