Já me
perguntaram muitas vezes se vou viajar. É sempre assim. Afinal, estou de
férias, e o que faz uma pessoa de férias? Viaja? Fica em casa? Joga videogame?
Alimenta as plantas? Dorme? Toma cerveja? Tranca-se no banheiro com revistas
pornográficas? Compra pilhas novas para o controle remoto da TV? Relê Asterios
Polyp pela quarta vez? Ajuda as velhinhas a fazer alongamento antes da
aula de tai chi chuan no Parque Rio Branco?
É
tentador convencer-se de que não é seguro manter essa profusão de símbolos e
experiências sob a guarda única do cérebro. É preciso auxiliá-lo, alargá-lo,
expandi-lo. Uma ideia enganosa. Negar que os sentidos humanos são ainda o que
há de melhor quando necessitamos rememorar: eis um engano maior ainda. A maior
ficção é a que se traveste de realidade, a que se pretende genuína, autêntica,
singular.
Não, uma
pessoa de férias trata imediatamente de sair de férias, e sair de férias quer
dizer viajar, estar em trânsito, fotografar planícies diferentes, ver coisas
diferentes, pessoas diferentes, provar sabores diferentes. Viajar é demonstrar empírica
e pictoricamente que passou e comeu e viu cada uma das texturas mencionadas.
Cada check
in valeu a pena, cada luz, cada recorte, cada sorriso. De tão vívidas, as
cores parecem mentirosas, mas é tudo de verdade, posso afiançar: o sol se punha
exatamente assim, o casal abraçava-se como num filme do Woody Allen, as copas
das árvores dançavam tango ao sabor de um vento mediterrâneo levemente
salpicado de felicidade.
Mais que
documentar, viajar é provar que viajou. É validar a experiência, partilhando-a.
Partilhar é o verbo da moda. Se viajo, mas não tenho meios de compartir minha venturosa
jornada por destinos nunca d’antes visitados, ninguém acreditará em mim –
passado algum tempo, nem eu mesmo acreditarei.
Aconteceu
comigo depois de umas férias em Guaramiranga. Sem registros fotográficos,
ficaram apenas a memória das estripulias na serra, mas quem garante que se
trata de realidade e não de sonho?
Estive lá
mesmo ou inventei tudo? Mamãe diz que não recorda de boa parte dos episódios que
relato. Os irmãos eram ainda muito pequenos. Será que minto? Será que, sem querer,
os mecanismos da mnemônica realçam cores e efeitos a fim de criar não uma nova
memória, mas uma memória melhorada? Se sim, com que intenção promove essa burla
na experiência? Para me tornar mais feliz? Para que sinta, de alguma maneira,
que cada vivência foi única, inigualável em sua dose de felicidade?
A memória
é nosso próprio Instagram: ególatra, volúvel, imperfeita, ilusória. Essa
afirmação embute uma pergunta: o que falseia mais a realidade, o que evocamos
por meio da memória ou o que fulgura através dos mecanismos digitais? Os
sentidos se enganam? A imagem nunca mente?
Do mesmo
modo, se não apresento atestado de que usufruí as férias, as lembranças estarão
confinadas ao oco da cabeça de um viajante unitário cuja máquina de recordar é
falha. E isso talvez seja suficiente. Talvez nunca seja. A visão da chapada, o
passeio na avenida feérica, a caminhada no litoral exótico, a noite agasalhada
no frio gaúcho ao lado da pessoa amada, a bebedeira na zona boêmia do Rio, a
deslumbrante exposição na galeria de São Paulo.