Embora guarde lembranças boas (porque nele nos debulhamos ao recordar parentes e amigos) e ruins (porque
lamentamos a perda irreparável), um cemitério não deixa de ser um lugar
interessante, se não pela carga emocional de que se reveste, ao menos pela
forte presença de traços da conduta humana só encontrados em logradouros assim.
Mais interessante que isso, porém, é a arena física, a disposição, a geometria,
as subdivisções e classificações, o senso de aproveitamento do espaço, as
regras, a paleta de cores e demais atributos que o caracterizam.
Apesar de dar a acolhida final aos que
amamos, o cemitério foi feito para quem está vivo – supondo, claro, que os
mortos não confraternizem nem se prestem homenagens póstumas.
Um cemitério abriga não apenas homens dedicados
a regar flores ou a preparar a argamassa que vedará túmulos. Enquanto trabalhadores fazem pequenos consertos, podam árvores e caiam muros,
deixando tudo o mais agradável possível para que as pessoas vivas visitem as pessoas
mortas com relativa paz, uma horda de pequenos animais desfila indiferente à tristeza e à fatalidade do quadro geral.
Nesse sentido, igualam-se aos coveiros, cujo ofício os predispõe à insensibilidade - uma insensibilidade totalmente compreensível e até certo ponto invejável. Num cemitério, sempre avistamos grupos deles. Estão protegidos do sol ou escorados num canto de muro ou ainda sentados sobre carrinhos de mão. Riem de alguma piada, conversam, distraindo-se sem constrangimentos, enfim.
Nos cemitérios conjuramos as piores memórias com a finalidade expressa de pacificá-las. Assim, o rosto de uma mãe, o sorriso de um tio ou o beijo suave de uma sobrinha passam do visco ao fluido, do doloroso ao suportável. Não é mágica, não. Ou é, se entendermos o sofrimento e as transformações que provoca como uma atriz que de repente, sob o cair do véu, vira outra coisa que não ela.
Arriscada, essa operação requer uma variedade de artifícios, mas, afinal, é para isso mesmo que vamos aos cemitérios - para fazer vibrar algo imóvel ou imobilizar o que é frenesi. A escolha das cores suaves para móveis e construções, a brancura e extensão de paredes, a disposição dos prédios, a fileira de lápides rigorosamente do mesmo tamanho e as retas paralelas que se prolongam na vastidão dos campos gramados.
Mais que a partida, é a ideia de infinito e de irreversibilidade que nos acalma.
Nesse sentido, igualam-se aos coveiros, cujo ofício os predispõe à insensibilidade - uma insensibilidade totalmente compreensível e até certo ponto invejável. Num cemitério, sempre avistamos grupos deles. Estão protegidos do sol ou escorados num canto de muro ou ainda sentados sobre carrinhos de mão. Riem de alguma piada, conversam, distraindo-se sem constrangimentos, enfim.
Nos cemitérios conjuramos as piores memórias com a finalidade expressa de pacificá-las. Assim, o rosto de uma mãe, o sorriso de um tio ou o beijo suave de uma sobrinha passam do visco ao fluido, do doloroso ao suportável. Não é mágica, não. Ou é, se entendermos o sofrimento e as transformações que provoca como uma atriz que de repente, sob o cair do véu, vira outra coisa que não ela.
Arriscada, essa operação requer uma variedade de artifícios, mas, afinal, é para isso mesmo que vamos aos cemitérios - para fazer vibrar algo imóvel ou imobilizar o que é frenesi. A escolha das cores suaves para móveis e construções, a brancura e extensão de paredes, a disposição dos prédios, a fileira de lápides rigorosamente do mesmo tamanho e as retas paralelas que se prolongam na vastidão dos campos gramados.
Mais que a partida, é a ideia de infinito e de irreversibilidade que nos acalma.
Há muitos modos de se organizar a complexidade dos cemitérios. Um deles é identificar cada bloco com uma letra do alfabeto. Foi no bloco K do Parque da Paz que vi uma iguana enorme
subir numa árvore depois de percorrer uma boa distância entre covas e coroas de
flores. Balançava a cabeça, parava, espichava a língua, andava mais um pouco, em
seguida parava, sacudia novamente a cabeça, dava mais alguns passos,
experimentava o ar etc.