Foi logo depois de haver lido um artigo científico sobre escrita espontânea e livre associação de ideias, primeiramente sequer relacionou a manifestação ininterrupta e o encadeamento anárquico das frases, mas em segundos tudo fez sentido, e o emaranhado antes indistinto ganhou corpo reconhecível, era algo mágico, repetia a si mesmo, bebendo em seguida um gole de cerveja, essa sensação produziu uma fagulha de prazer imediato, não a da cerveja, então se sentou mais uma vez e quando tudo parecia finalmente “harmonizado cosmicamente” como sempre desejaram que estivesse, o que viu desenhar-se na parede descascada do banheiro foi um conjunto heterogêneo de entulho produzido durante o tempo em que estavam juntos, cada monte de chorume desafiando a necessidade que tinham um do outro, cada santa, cada aparição miraculosa acenando para um desfecho.
O que fariam de agora em diante, não havia dúvida, dependeria do que enxergassem naquela miragem, se milagre ou abismo.
Coleciono inícios, restos de frases, pedaços e quinas das coisas que podem eventualmente servir, como um construtor cuja obra é sempre uma potência não realizada. Fios e tralhas, objetos guardados em latas de biscoito amanteigado, recipientes que um dia acondicionaram substâncias jamais sabidas. Se acontece de ter uma ideia, por exemplo, anoto mentalmente, sem compromisso. Digo a mim mesmo que não esquecerei, mas sempre esqueço depois de umas poucas horas andando pela casa, um segundo antes de tropeçar na pedra do sono ou de cair no precipício dos dias úteis. Às vezes penso: dá uma boa história, sem saber ao certo de onde partiria, aonde chegaria, se seria realmente uma história com começo, meio e final, se valeria a pena investir tempo, se ao cabo de tantos dias dedicado a escrevê-la ela me traria mais felicidade ou mais tristeza, se estaria satisfeito em tê-la concluído ou largando-a pela metade. Enfim, essas dúvidas naturais num processo qualquer de escrita de narrativas que não são
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