Final de domingo é implacável. É sempre a mesma. Não deixo de me impressionar com a beligerância das muriçocas. Verdade é que, a esta hora, não se vê uma mosca, não se veem lagartas, tampouco percevejos ou lhamas, sequer uma dessas borboletas bastante comuns em jardins, um gigante não passeia faltando cinco minutos para se encerrar o dia, passeia?, e quais são as chances de virmos um gambá neste instante? Nenhuma.
Entregadores de pizza e muriçocas são as únicas espécies que habitam a noite de um final de domingo. Em qualquer província, em qualquer tempo.
Ora, alguém dirá, quase exaltado: “Os ratos, não se esqueçam dos ratos!” Bem lembrado: os ratos chafurdam no terreno baldio, não há como negar. Música de fundo, a cantilena ritmada da gota d’água que nasce no ar-condicionado velho da casa amarela martela insistentemente a cobertura de alumínio da garagem. É melodia cadenciada, propícia aos estudos e ao escrutínio de toda uma vida.
A cada dez janelas do prédio vizinho, o mesmo edifício de pintura descascada cuja laje já serviu de motel para não menos que três casais (em dias diferentes, claro), seis piscam freneticamente ao sabor das explosões cinematográficas.
Não sei o que passa na televisão. Eu não tenho televisão. Mas gostaria de ter uma televisão bem grande, com imensa variedade de canais, inúmeros programas e fornecimento ilimitado de estímulos sensoriais.
Paisagem menmônica

Outra verdade é que o mundo não para, meu garoto. O download registra “194 mega de 355”. Dentro de 38 minutos, o filme cairá na pasta e da pasta nem Deus sabe aonde irá. A lista de tarefas cuja execução, mesmo facultativa porque realizada no final de semana, me livraria de estresse futuro, essa lista permanece intocada sobre o tampo da mesinha de centro.
E o tampo da mesinha de centro sobre as pernas tortas da mesa. E a mesa em si assentada na ampla sala de pé direito alto. Minha namorada liga e reclama. Outra vez as bananas estragaram, outra vez esqueci as frutas no fundo da geladeira.
Levo horas refletindo sobre a incrível capacidade que as toalhas recém-lavadas têm de se emporcalhar numa fração de segundo. Também causa estranheza o retorno insuspeito da poeira aos móveis. É um amor antigo, só pode.
Enquanto isso, o cérebro, esse advogado em começo de carreira, o cérebro reelabora as suas estratégias. Como reza a boa ciência, sempre apelando ao “viés confirmativo”.
É definitivo. Acabo de ler. Perdi as esperanças no que restava de lógico em qualquer um dos hemisférios. Trata-se de uma grande mentira, de uma mentira enorme, pra ser cruelmente preciso. O cérebro, ele inventa tudo.
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