Aviões de guerra agora cortam o céu da cidade. Não fazem manobras, apenas seguem em linha reta, transportam pessoas cujo silêncio contrasta com o amontoado vertiginoso de nuvens brancas movimentando-se rumo a outras regiões do globo, então os aviões desconhecem o destino dessas pessoas, as nuvens desconhecem o destino dessas pessoas, talvez mesmo o operador de voos responsável por digitar no grande computador central as referências necessárias para que as aeronaves não se percam, talvez ele desconheça igualmente para onde se encaminham os engenhos e as nuvens formosas que, sem motor ou outro mecanismo de propulsão poluente ou ecológico, deslocam-se com velocidade, o dia inteiro, sem fazer pausas nem paradas, sem embarques ou desembarques, apenas um condomínio contínuo e monótono de nuvens alvas trasladando formas sem nome, um bloco compacto de gases em conformidade com sua natureza física, química e biológica, resignado ante a inevitabilidade do inevitável (a redundância é uma figura de construção apenas parcialmente eficiente) ou do que quer que seja, porque, certos disso, homens doutos cuja formação moral e ética aponta para a conclusão magna cum laude do ensino superior, homens doutos que agora estudam conteúdos padrões e conceitos voláteis nas cadeiras de pós-graduações, esses homens chegados ao conhecimento pleno garantem: a vida é um bocado surpreendente.
De longe, parado, observa que embora o espetáculo ocorra a dois ou três quilômetros dali, numa dimensão simultaneamente tangível e mágica, é possível arrancar de tudo um pouco de satisfação, apelando-se primeiro a esse senso estético de que somos equipados logo quando colocamos as nádegas no mundo, e, segundo, recorrendo em doses satisfatórias ao que chamo de felicidade fulminante, a saber, sentimento extremo sem razão de ser que brota por força deliberada em hora e local inusitados, transformando o entorno do deliberante, convertendo sinais binômicos em algoritmos complexos.
Guardem o conceito: felicidade fulminante, e jamais o utilizem quando estiverem operando uma máquina destrutiva.
Comentários