Pular para o conteúdo principal

Good night, Dayse!


O que faz de um filme um bom filme? O que entra na avaliação? Melhor dizendo: por alguns filmes têm a capacidade de nos emocionar, de nos tocar, enojar ou revoltar e outros simplesmente passam em brancas nuvens, como se nunca tivessem sido assistidos por milhares de pessoas que foram ao cinema à procura de algum sentimento cuja essência não sabemos explicar direito?

Essa é uma grande questão. E ela surge porque só hoje pude ver O curioso caso de Benjamin Button. Foram duas horas e meia no cinema, sentado, quieto, olhando pra frente, sem visão periférica, sem movimentos, sem piscadelas, sem telefones, sem conversas paralelas. Foram duas horas e meia de hipnose.

Mas, o que faz de Benjamin Button um bom filme? Seus atores? Sua fotografia? Sua maquiagem? Seu roteiro? Seu tema inusitado? O fato de ter sido adaptado de um conto de Fitzgerald?

Nada disso. Ou tudo isso. Primeiro, um homenzinho velho mas novo, feio mas bonito ganha qualquer platéia em qualquer lugar do mundo. Um bebê jogado na calçada, um bebê tão feio quanto o mais feios dos monstros que você já enfrentou num game qualquer de monstro. Mais feio do que um zoombie. Mais feio do que um alien.

Button é um personagem cativante. Porque sofre, porque foi amaldiçoado com uma doença. Porque é rejeitado e criado em um asilo para velhos. Velhos como ele, largados por suas famílias, sozinhos, sem parentes que lhes tratem das artrites. Button é uma bola incômoda de pelancas que, pouco a pouco, assume a forma de um jovem bonito e saudável.

Bom, vou escrevendo. E pensando ao mesmo tempo. O que faz de Benjamin Button um bom filme, um ótimo espetáculo de cinema, algo que te faz sentir-se bem depois de uma sessão de cinco às sete e meia da noite e sentar numa na mesa de lanchonete e comer uma pizza nem assim tão boa e mesmo com esse pormenor chato continuar feliz porque você finalmente viu um bom filme e conseguiu sentir essa coisa que somente os bons filmes te fazem sentir?

Estou empolgado, eu sei.

O curioso caso de Benjamin Button é uma história de amor. Mais que qualquer outra coisa, é uma história de amor. Mas, como poucas histórias de amor, é um filme inteligente. E engraçado. Tem clichês, sim. O diário é um deles. Pode-se dizer: é mais um filme contado a partir de um narrador que lê um diário. Sim, é isso mesmo. E isso é velho, antigo.

Ainda assim, é um bom filme. Não porque desperte qualquer tipo de reflexão mais profunda sobre tempo, idade, velhice, sentimento, sentido da vida e essas coisas que alguns filmes adoram fazer. É bom porque, em duas horas e meia, conta uma história cujo final você quer desesperadamente saber. E, no começo, aos trinta ou vinte minutos, te fazem sentir saudade. Sim, uma saudade boa antecipada.

Era isso.

Agora, vou de The acid house. OU Z. Ou A menina da caixa de fósforos. Ou Jules e Jim.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Museu da selfie

Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por

Cansaço novo

Há entre nós um cansaço novo, presente na paisagem mental e cultural remodelada e na aparente renovação de estruturas de mando. Tal como o fenômeno da violência, sempre refém desse atavismo e que toma de empréstimo a alcunha de antigamente, esse cansaço se dá pela falsa noção da coisa estudadamente ilustrada, remoçada, mas cuja natureza é a mesma de sempre. Não sei se sou claro ou se dou voltas em torno do assunto, adotando como de praxe esse vezo que obscurece mais que elucida. Mas é que tenho certo desapreço a essas coisas ditas de maneira muito grosseira, objetivas, que acabam por ferir as suscetibilidades. E elas são tantas e tão expostas, redes delicadas de gostos e desgostos que se enraízam feito juazeiro, enlaçando protegidos e protetores num quintal tão miúdo quanto o nosso, esse Siará Grande onde Iracema se banhava em Ipu de manhã e se refestelava na limpidez da lagoa de Messejana à tarde. Num salto o território da província percorrido, a pequenez de suas dimensões varridas

Conversar com fantasmas

  O álbum da família é não apenas fracassado, mas insincero e repleto de segredos. Sua falha é escondê-los mal, à vista de quem quer que se dê ao trabalho de passar os olhos por suas páginas. Nelas não há transparência nem ajustamento, mas opacidade e dissimetria, desajuste e desconcerto. Como passaporte, é um documento que não leva a qualquer lugar, servindo unicamente como esse bilhete por meio do qual tento convocar fantasmas. É, digamos, um álbum de orações para mortos – no qual os mortos e peças faltantes nos olham mais do que nós os olhamos. A quem tento chamar a falar por meio de brechas entre imagens de uma vida passada? Trata-se de um conjunto de pouco mais de 30 fotografias, algumas francamente deterioradas, descubro ao folheá-lo depois de muito tempo. Não há ordem aparente além da cronológica, impondo-se a linearidade mais vulgar, com algumas exceções – fotos que deveriam estar em uma página aparecem duas páginas depois e vice-versa, como se já não nos déssemos ao trabalho d