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Eu também vou reclamar

Sábado atípico. Escrevi até as 4 da manhã. Acordei às 9 sem saber o que fazer. Saí de casa. Fui até a praia. Muito vento e areia. Mar bonito, o céu enfeitado de velas coloridas do kitesurf. Na água, outra prática: wind. Fora, homens e mulheres dourados. Barracas, crianças, famílias, cerveja. Areia na cueca. Dor de barriga.

Nunca mais.

Dormi das 15 às 17. Sono bom de sábado. E um bônus: eclipse parcial da Lua. Na televisão, jogos de futebol e amor. Mulheres que querem os seus homens vão ao canal mais próximo para tentar encontrá-los, homens malhados que querem as suas mulheres fazem o mesmo. Elas só vêem topetes. Eles, as mechas azuis. São convidadas para dançar. Dançam. São convidadas para um bate-papo. Batem. Em seguida, arrumam as malas até o sábado da semana que vem. Eles terminam a noite torrando a graninha do cachê num barzinho qualquer da metrópole.

A boca da Ana Maria Braga ficou incrível. Heath Ledger teria ficado com inveja.

Tem um cara na rua que fala bem alto. É o “radiadora”. Além do radiadora, tem outras coisas nessa mesma rua que chamam a atenção tanto quanto assustam: três cachorros da raça pitbull. São parentes. Um macho e duas fêmeas.

Um dia, como nos velhos bons filmes de faroeste, me encontrei com um deles. Uma linda cadela branca de pêlo bem rente, cortado à escovinha. As patas são curtas, o rabo fino, os olhos dum vermelho vivo, pós-baseado. Uma pitbull no melhor estilo. Lembrei imediatamente de Moby Dick, a baleia. E do medo de perder uma perna para a assombrosa criatura e, subitamente, me ver obrigado a persegui-la por anos a fio através das ruas do bairro empunhando um tridente infernal.

Parei na rua. No centro, calado, imóvel. Como nos pesadelos em que nos deparamos com cachorros, leões ou touros ensandecidos e não conseguimos sair do canto.

Ela passou ao lado sem dizer palavra. Me ignorou. Na calçada, a dona sorriu sem graça. Viu que ficara desesperado, branco até. Não lembro se disse qualquer coisa sobre o índice de mansidão do animal. De qualquer forma, se disse mesmo isso, não devo ter dado muito crédito. Porque no momento seguinte estava na esquina, retomando o fôlego da corrida de vinte metros sem barreira senão as próprias pernas e uma ou outra embalagem de Fandangos.

Claro que isso é mentira. A parte da corrida, claro. Continuei andando até chegar à padaria, que fica a uns quinze minutos de caminhada. Comprei três pães grandes, manteiga, maria-maluca, pão de batata e só. Na volta, liguei o mp3.

ISSO TUDO FOI ESCRITO ONTEM, SÁBADO. Quero dizer, parte disso. A arte-final é de hoje mesmo.

O domingo foi legal. Muita leitura. E macarronada com cajuína. E uma pia de louça suja. Lavei tudo. Minha primeira pia de louça do almoço em vinte e poucos anos.

Não fui à sessão de western. Que pena. Não que goste especialmente de bang-bang. Apenas curto as paisagens desérticas dos Estados Unidos. GOSTO ABSURDAMENTE DELAS. Já viram Onde os fracos não têm vez? Pois é. É daquilo que estou falando. Leram Pergunte ao Pó? Pois é. É disso também.


Tarde, os amigos ligam confirmando a minha ausência. “Você não está aqui”, dizem. Respondo “É, não estou mesmo”. Eles contam as cervejas espalhadas no apartamento: vinte e seis garrafas. Nada mal para amantes de Clint Eastwood.

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