No começo apenas de brincadeira e depois a sério, me veio à cabeça a criação de um “museu do golpe”, espaço que se dedicaria não ao restauro de peças arruinadas pelo fascismo nacional responsável pela blitzkrieg tabajara do dia 8 de janeiro, mas a sua preservação tal e qual se encontram.
Aquele relógio imperial do século XIX, por exemplo, cujo valor histórico exorbita o conserto de sua mecânica, seria então mantido como se vê hoje: inutilizado pelo vandalismo tupiniquim durante a invasão dos Três Poderes.
De modo similar, outros dispositivos e artefatos destroçados, de obras de arte a mobília, passando por esculturas e a réplica da Constituição de 88, estariam a salvo de sua recuperação total ou parcial, sendo conservados quebradiços ou inservíveis para mais nada, sequer para a apreciação.
Assim, o quadro de Di Cavalcanti, estimado em cerca de R$ 8 milhões e perfurado em seis pontos, continuaria como está: trespassado, danificado, num sinal de que algo ou alguém o atravessou no Brasil do início do ano de 2023.
A intenção, claro, não é chocar a audiência, tampouco concorrer com memoriais cujo acervo impõe uma reflexão sobre atrocidades ou genocídios, perversões da humanidade às quais não se deve jamais esquecer.
O objetivo desse hipotético museu do golpe é manter sempre fresca a memória de que a estupidez fantasiada de patriotismo, o golpismo da elite brasileira e a sabotagem institucional no país seguem presentes, mesmo depois daquele dia.
Penso, no entanto, que seria preciso ir além e não restringir o potencial do material museológico a obras históricas, mas incluir também objetos ordinários, como armários sem porta, mesas depredadas, lâmpadas e cadeiras pilhadas, paredes riscadas etc. Em suma, tudo que ajude a retraçar o caminho da barbárie, seus pontos de saída e de chegada.
Evidentemente, é importante ainda dispor de um registro audiovisual dos golpistas, uma captura realista desse momento no qual uma minoria assanhada por um presidente derrotado e em fuga se abrigou entre fardados nostálgicos do regime de exceção parar atacar a República.
Para finalizar, não custaria ainda representar, em frases e textos colhidos nas muitas transmissões feitas pelos próprios baderneiros pelas redes, as declarações proferidas. Enunciados desde muito repetidos pelo então presidente e cujo propósito era hostilizar o Judiciário, estimulando a arruaça e o bandidismo em campo aberto, de modo a se beneficiar quando o cerco se fechasse contra ele – exatamente como acontece agora.
O acesso ao museu seria gratuito, por certo, e suas entradas jamais estariam fechadas. Nele não haveria catracas nem guardas. Mesmo nos feriados ou fins de semana haveria a possibilidade de visitá-lo e percorrer suas salas, todas conectadas, compondo um painel do retrocesso, e tendo como elo a figura central do agora ex-chefe do país, cujo rosto estaria figurado entre as obras da ruína que ele legou como herança aos brasileiros.
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