Li algo sobre pequenos apartamentos, gaiolas para a gente existir funcionalmente, reduzido ao movimento mais básico, o mesmo roteiro de ir e vir calculado em passos mínimos todo dia, sem desvio, sem diferenciação.
Já morei num lugar assim, mas sem esse charme da boa localização, da áurea de bem imóvel ao qual se empresta um valor mais simbólico do que real. Meu apartamento era pequeno e distante, embora não de todo feio.
Havia nele o ganho de estar perto do trabalho, e isso na época era suficiente, saber que a uma caminhada eu estaria em casa, ainda que a casa fosse como uma réplica do meu quarto de criança, com beliche e armário de brinquedos, onde agora eu tinha de acomodar fogão e geladeira, além de cama, mesa e essas coisas que acumulamos por todo o tempo.
“Moradia mínima”, ouvi um consultor imobiliário falar enquanto explicava o boom de lugares cuja escala liliputiana ele declamava naturalmente, como um dado qualquer ao qual a gente já devesse estar plenamente acostumada, uma verdade autodemonstrável.
O fato de que houvesse um boom, segundo ele, era indicativo de que um movimento (“uma onda de vendas”) e um fenômeno social meio fantasmagórico se manifestavam, mas qual era sua origem? Ele não sabia. Garantia, porém, que os 20 metros quadrados estavam apropriados a demandas represadas, a projetos de vida encapsulada.
Era como morar num módulo lunar, passageiro de um deslocamento fictício, espacial, fantasioso. Todas aquelas horas que se passava em casa, no quintal, na sala, indo do corredor à cozinha e da área ao quarto de volta, nada disso era possível. Na verdade, já não era para muita gente.
Moradia mínima, eu ouvi de novo, e na segunda vez a expressão já soou menos incômoda, o léxico sutilmente empregado e agora absorvido, uma língua familiar que era resultado da combinação do jargão executivo turbinado com uma gramática motivacional com a intenção não apenas de vender, mas de empacotar tudo isso como um estilo de vida.
A oferta cobria a procura, que se expandia mais à medida que a oferta também aumentava e habitar tão reduzidamente se tornava uma perspectiva comum, a única possível. O precário subitamente convertido em possibilidade, em paisagem urbana, em horizonte de desejo porque, fora dele, não havia mais outro.
De repente, era real tudo que tinha visto nos filmes de sci-fi durante a adolescência, todas aquelas minúsculas instalações, câmaras para dormir que supriam também necessidades fisiológicas, cubículos tecnológicos nos quais o vivente se encerrava para escapar à revolta do clima e à violência, uma proporção hobbitiana para humanos.
Tudo convivendo com os arranha-céus dos super-ricos, as reformas urbanas à beira-mar que valorizam os espaços consagrados ao luxo, os fluxos sempre se dirigindo a quem já dispõe da amplidão de ser e existir numa cidade e dos meios através dos quais vai e vem, vem a vai, sem entraves, sem preocupações nem barreiras.
A mobilidade, acho que vi num quadrinho ou só imaginei, será a nova corrida do ouro: quem pode se movimentar e quem está condenado a estar sempre no mesmo lugar.
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