A multidão de crianças no estacionamento era febril, quase selvagem. Um grupo de pequenos Hooligans batendo o pé no chão. Menino sujo de sorvete, menina descabelada, pais sobraçando roupas, pingando suor debaixo daquele calor e agradecendo de tempos em tempos as lufadas de ar gelado que saíam de dentro do shopping.
Tudo pra quê? Pra ver o Papai Noel chegando, conforme anunciava o jornal, em letras garrafais, uma promessa na qual eu quis acreditar mais do que minha filha, que me perguntou com franqueza se deveria ficar alegre com isso.
Menina, não estraga a magia, eu pensei em lhe dizer, mas percebi que se fizesse isso era porque a magia já estava na casa do sem jeito. Fingi desatenção, e deixamos o assunto morrer.
No meu tempo Papai Noel não chegava, tampouco era anunciado com dois meses de antecedência. No dia marcado, a gente queria acreditar e acreditava, de modo que o Papai Noel ia embora antes de chegar de fato, sem essa entrada pomposa de cantor popstar.
De seu rastro, na melhor das hipóteses, um presente barato, um carrinho de fricção ou boneco do Comandos em Ação. Mas ele mesmo, gordo e vermelho, nunca. Apenas uma vez na escola, mas, pela barba postiça e os olhos avermelhados, a gente soube logo que era o Lima, vigia do colégio que gostava de beber dia sim, outro também.
No mais, era uma expectativa que nunca se cumpria, até que finalmente a gente deixou de lado e foi cuidar da vida.
Mas agora o bom velhinho tem assessoria de imprensa que cuida de sua imagem e agenda, prepara sua roupa, pentea-lhe a barba, escreve notícias e, no dia marcado, informa que tal hora o trenó vai aterrissar em tal lugar, num evento que demarca a entrada do Natal.
Hoje o Natal tem abertura, é uma maratona que envolve muitas etapas, num planejamento que antecede o dia certo em muitos dias, mesmo considerando que o dia em si já é a véspera.
Neste ano não foi diferente. No quarto dia do penúltimo mês de 2021, o Papai Noel estava lá. Quer dizer, não exatamente, e isso é parte do problema, porque o anúncio falava em chegada, e por chegada eu entendi que o Papai Noel desceria no lugar combinado.
A quem me perguntava, eu respondia que sim, o Papai Noel vai descer do helicóptero. Claro que sim, eu retrucava se me contestassem, já querendo ficar chateado por causa dessa insistência. Até que o boato se espalhou: ele vai descer, o rapaz garantiu.
Pai, ele vai descer mesmo?, quis saber a filha, subitamente eufórica quando ouviu o barulho de rotação das pás do helicóptero, que não se parecia em nada com o galope celeste das renas cruzando o céu no entardecer da cidade.
Onde já se viu ficar dando tchauzinho lá do alto enquanto, aqui em baixo, as crianças se esgoelam por ele, eu cochichei pra ela.
Mas foi o que aconteceu: o Papai Noel não desceu. O Papai Noel não chegou. O Papai Noel distribuiu tchauzinhos como uma miss a muitos metros de altura, enquanto a aeronave desenhava círculos concêntricos no ar e, logo abaixo, um exército de crianças se virava para mim exigindo explicações que eu não tinha.
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