Há algo de divertido na palavra: espigão. Como se se jogasse ao mar uma espiga de milho de cuja existência se esperasse qualquer coisa mágica além de flutuar ou afundar.
Espigão era como chamava um amigo mais alto na escola, desengonçado que só ele, péssimo para o futebol e qualquer esporte que envolvesse as pernas, salvo basquete.
Mas espigões são estruturas concretas, reais, não carregam nada da leveza do vocábulo nem o caráter estabanado, nada do que talvez devessem ter herdado do milho ou do aparto longilíneo do corpo de adolescente.
Braço de pedra que entra na água, espichado por força do acúmulo, um istmo através do qual se procura deter alguma natureza que, por intervenção anterior, se fez imprevisivelmente presente.
É resposta adivinhada a problema insolúvel, sempre jogado para adiante.
Como a presença de tubarões em Balneário de Camboriú, por exemplo, lá onde a praia foi aterrada e uma larga faixa de areia aberta de cabo a rabo, tal como em Fortaleza.
Por aqui também vão aparecer tubarões? Quem sabe deem as caras no mar que afundou depois das peripécias do governo municipal, que tornou imprestável parte da orla.
Para reparar o malfeito, lançam mão dos espigões, nem bonitos nem feios. Dispostos a cada intervalo de uns tantos metros, de modo a desfazer o feito de outra vez, e assim sucessivamente.
Se a obra cria oscilações que deságuam no Icaraí, ponha-se um espigão por lá, e depois é só esperar até que seja necessário instalar mais um, agora na praia vizinha, e depois na outra e na outra, até que o litoral do estado se acabe e o problema passe a ser de outro.
Espigões são bonitos, essa perspectiva de entrar no mar sem entrar de fato, de flutuar, de nadar ou navegar sem tocar a água ou embarcar num navio. Como um palco onde se finge.
É como uma licença, com uma vantagem: é segura. Neles não se afunda por falta de fôlego, tampouco se vai a pique.
Espigões são como calçadas maiores que não se alinham com a pista, mas entram, fazem esse caminho perpendicular, quem sabe no desejo de funcionarem como ponte.
Espigões são pontes inacabadas, que não levam a nada, num repente se detêm, acabam, dali não se passa. Como a dizer: ao mar não se vai a pé.
Estão limitados por um fim abruto e arbitrário. Têm aquela extensão, e só, ainda que o desejo os estique para além do firmamento.
Me pergunto que métrica define o tamanho que cada espigão terá e o espaço que ocupará, se mais pra perto da ponte ou mais pra longe, rente à estátua ou mais distante, perto do vendedor do coco ou mais para depois.
A forma que toma no desenho é a mesma do real?
Há uma ciência de espigões que regula sua vida, suas comunicações, porque é fato que espigões se conversam, tratam de seus assuntos e falam entre si enquanto as ondas quebram.
Não estão ali apenas pra barrar o assoreamento ou a vaga num ponto da praia, evitando que o mar resseque feito ostra exposta ao salgado do vento que sopra mais nesta época do ano.
Espigões têm suas funções que não sabemos qual é, guardam seus segredos de pedra que não entendemos, nesse mutismo besta que vemos enquanto passam ao largo da tarde.
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