O que vem a ser o "amiguismo"? Uma ética fundada na relação pessoal, uma estética da proximidade, uma lógica de proceder que toma a eletividade como principal eixo, a partir do qual tudo o mais é desimportante.
Em Fortaleza o amiguismo é um expoente do pensamento, um norte moral e social, sem ele não se chupa um picolé. Daí o silêncio, derivado dos grandes consensos não confessados, da rede tentacular de relações que se estabelece entre os conhecidos.
Todo mundo conhece alguém que conhece alguém, de modo que é melhor deixar quieto mesmo quando a crítica é pertinente, o que também vale para o contrário: se é inimigo de outrem, passa a ser meu, ganham-se e expurgam-se amizades em função de elos pessoais.
Até aí tudo bem, gente que vem, gente que vai. Mas o amiguismo é escola forte o bastante para ir além do círculo da mesa de bar, além dos cercadinhos afetivos e sociais em torno dos quais a vida se resolve e flui aos solavancos. Influi no trabalho, nas atividades de cada um, no dia a dia profissional.
Sim, o amiguismo está em todo canto, mas engana-se quem pensa que o partidário do amiguismo o reconheça, aceite-se enquanto signatário desse credo típico do humor avinagrado. Não, todo o mundo se julga impessoal, até que chega o momento de decidir.
Na dúvida, e quando existe dúvida já é um bom sinal, fica-se com o amigo, ou com o amigo do amigo, com o amigo do amigo do amigo, numa cadeia de elos sem fim ao cabo dos quais a preferência é sempre por alguém que conhece alguém – ou que se supõe conhecer. E aí mandam-se às favas os escrúpulos, os rigores metodológicos, as exigências. Se é para o amigo, é bom.
Para além do barateamento dos processos institucionais e de certo jeitão cafona de lidar com as situações e dinâmicas da sociedade alencarina, falando assim de modo abertamente vago, genérico mesmo, o amiguismo é também um contrassenso se a gente pensa que se trata de uma resposta usualmente dada por gente da cultura, da arte, do campo progressista, enfim, desse âmbito espiritual dentro do qual se imagina, estupidamente, que predomine certa maneira mais racional e menos figadal de estar no mundo.
Mas não, o que se dá é exatamente o oposto. Precisamente nessa seara é que subsiste mais fortemente o rancor, o ressentimento, a mágoa inconfessável, aquele machucado que se leva adiante em banho Maria e, ao menor sinal, emerge, na forma não do duelo ou da conversa ou da briga virtual, que seja, mas dessa rasteirinha comezinha, desse drible matreiro, esse jeito de menoscabar o outro sem parecer excessivamente mesquinho.
Eis o amiguismo em sua essência: quer-se virtuoso mas é baixo, rés do chão, porque não se escancara, é miúdo por natureza e esquivo, nunca se dá a ver com todas as cores e formas.
Age na penumbra, no bastidor, no lusco-fusco, dissimulando-se entre atos cotidianos que pretendem se fazer passar por gesto refletido, estudado, quando os menos desatentos sacam de longe o que é que vai ali no meio daquele negócio a que dão qualquer nome pomposo.
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