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A prova

 

Fiz uma prova no fim de semana.

Respondi a cada pergunta sem muita convicção, como quem preenche a cartela da Mega.

Revisitei conceitos esquecidos, apelei a vestígios de um pensamento lógico, cotejei itens à luz do parco conhecimento que detenho sobre áreas nunca estudadas e temas já enterrados na memória desde que concluí o segundo grau.

Foi em 1998, já faz muito tempo.

Rascunhei cálculos que mais pareciam a equação que descreve o voo tortuoso de um inseto num quarto iluminado com lâmpada fluorescente.

Ocupei meia página com números para os quais eu depois olharia e me perguntaria o que diabos estava tentando descobrir, se o X, o Y ou qualquer outra coisa não incluída na pergunta.

Afinal, qual era a pergunta?

Durante a prova eu me distraio com frequência.

Olho o calcanhar de uma candidata, a garrafa d’água sem rótulo, a borracha de duas cores.

Outro balança a perna ritmadamente.

Um outro checa pela milésima vez a tinta da caneta e os documentos.

Outra aplica álcool em gel nas mãos a cada dois minutos.

O tempo de espera entre o recebimento da prova e a prova em si é de mais frenesi.

Eu pareço tranquilo, e estou de fato. Não tenho pressa de sair da sala, estou sem fome, dormi oito horas, minha filha está com a minha sogra, não tenho compromisso, estou de folga, tenho 41 anos e sinto que nada do que eu faça agora irá alterar o resultado final daquele exame.

Quando finalmente temos autorização para começar a responder, eu tento de tudo, sem querer efetivamente tentar de tudo, como acontece nessas situações em que, ao cabo de tantos meses nos quais não nos preparamos como imaginamos, eis-nos ali.

Diante da prova em branco, daquela responsabilidade de escolher a resposta certa entre cinco opções ou a errada entre elas.

Sempre prefiro apontar a errada entre as certas, porque tenho a intuição talvez enganosa de que é mais fácil identificar os itens corretos e deles separar o incorreto.

Esse é um axioma que não se sustenta no decorrer da prova, sobretudo quando vejo o resultado.

E não é que tenha sido tão mal, tampouco que tenha sido tão bom.

Digamos que tenha sido ok.

Ao menos para o tamanho do desafio que era submeter-me a um exame extenso e cansativo não tendo sequer aberto um livro.

De maneira que, sim, posso me contentar caso eu realmente esteja disposto a extrair da experiência qualquer naco de positividade.

Ou não, posso não me contentar se, pelo contrário, entender que o episódio todo é meio que a confirmação de alguma coisa para a qual eu evito olhar.

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