Não entendo a obsessão atual por acelerar o tempo, torná-lo tão adiantado a ponto de perdê-lo. Seja com o áudio do Whatsatpp, o vídeo da ioga ou um podcast, a pressa é uma realidade. A pergunta é: pra que mesmo?
Descarto de partida a economia. Afinal, essa fração de segundos amealhada resulta em quase nada, o ganho é tão insignificante que teria alguma valia apenas se tivéssemos de ouvir centenas de milhares de minutos de áudio por dia. Do contrário, acelerar não representa qualquer vantagem numérica, salvo estar mais rapidamente desembaraçado da obrigação de ouvi-lo até o fim.
Descartada essa possibilidade, o que sobra é a atenção. Embora desatentos na maior parte do tempo ou mergulhados em atividades cuja exigência de concentração é superficial, encaramos a necessidade de acompanhar um áudio sem avançá-lo como uma tarefa maçante, uma verdadeira tortura.
E não estou falando daquela propaganda horrível do Kwai que parece que nunca vai acabar ou de um depoimento de Osmar Terra. Estou me referindo à mensagem da sua mãe ou do seu pai para a qual o usuário já não tem paciência porque se habituou a acelerá-la automaticamente, e agora nada nem ninguém pode voltar a fazê-lo oferecer atenção à moda antiga, naquela velocidade orgânica da fala humana.
Minha dúvida é sobre o que fazem com esse tempo ganho as pessoas que aceleram as conversas, os vídeos da ioga e o podcast. Honestamente, empregam com que esses nanossegundos conquistados com um clique que distorce o timbre do chefe, da namorada ou do professor?
Para tentar descobrir, tentei eu mesmo acelerar as mensagens no celular que recebi no dia do aniversário. Comecei com as da minha mãe:
“Oi, meu filho, feliz aniversário, te desejo todo amor e saúde do mundo. Vamos comer bolo mais tarde. Beijos”.
Ouço em 1,5x e depois em 2x. Há uma diferença crucial entre as duas velocidades. Enquanto a primeira ainda preserva um traço de humanidade que faz com que a atenção se retenha e eu a entenda como a mensagem que minha mãe me enviou, a segunda perverte totalmente o sentido de diálogo, destituindo a voz de sua pessoalidade e a situando num espectro inumano.
É estranho, claro, mas talvez não tanto quanto imaginei que acharia. Levando-se em conta que eu já conhecia aquele conteúdo, faço um teste com novas mensagens. Agora é diferente, meu cérebro não se decide se presta atenção na vozinha de pateta ou naquilo que anuncia o interlocutor.
É o mesmo tipo de estranheza que costumo experimentar quando, numa transmissão por Zoom, converso com alguém que está sentado numa cadeira gamer: nunca sei ao certo se reparo no que ele fala ou no fato de que está num móvel assim.
Mas tudo bem, dou de barato que estou ficando velho e que essas coisas talvez não me pertençam mais nem eu a elas, de modo que tudo se torna um pouco mais divertido.
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