Decidimos ir à praia já muito tarde, quase uma hora, uma decisão inesperada que, no entanto, se mostrou a melhor para o domingo, para este domingo.
Estávamos sentados na sala assistindo à final de Roland Garros, alguém de repente falou sobre o sol, a palavra ficou quicando no saibro enquanto a bola verde saltava de um lado para outro da quadra, os atletas num esforço audível de superação de suas debilidades para se impor e vencer, um ambiente sobretudo de tensão.
E o sol atravessado sobre a ideia de uma partida de tênis disputada a centenas de quilômetros daqui, quina de continente de onde partem esses cabos submarinos que se conectam com o mundo mas cujo fluxo eu não sei como funciona, como opera na realidade.
A praia – sim, a ideia da praia rondando agora o jogo, ocupando os espaços.
Vamos, dissemos uns aos outros sem dizer de fato, apenas levantando do sofá num instante, o que fez com que cada um fosse providenciar tudo de que precisa para ir à praia.
É possível que tenha lembrado que já havia bastante tempo não íamos à praia, de maneira que achamos uma boa ideia fazer isso hoje, ainda que fosse tarde e não estivéssemos preparados para sair de casa.
Chegamos à praia. Entramos na barraca, eu carregava uma bola de futebol e chaves, Ceci um saco de brinquedos, minha esposa a bolsa com objetos, toalha, dois livros, caixa de som, bloqueador solar, carteira etc.
De novo a sensação de atravessar uma paisagem lunar, barracas feitas de ruínas convivendo com outras como se grandes restaurantes frequentados por muita gente, o desalento de um arranjo de abandono ladeado por outro densamente ocupado.
O fim do mundo podia ser ali, podia ser agora, pensei enquanto percorríamos aquela longa descida que leva da avenida ao mar, uma curva que me faz lembrar também dos piqueniques que fazíamos na infância, quando alugávamos um ônibus e saíamos do bairro da periferia para a Praia do Futuro ou outra qualquer na região metropolitana, a distância da viagem em si uma parte fundamental daquele deslocamento.
Nessa época, ir à praia era sobretudo demorar a chegar até a praia, o lugar do distante, do paraíso a que finalmente aportávamos depois de cruzar a cidade para alcançá-lo apenas na última curva, essa que fazíamos agora, muito tempo depois, no carro tocando “Solar power”, uma escolha não intencional mas que, naquele momento, fez algum sentido.
O paralelepípedo da rua e o carro trepidando enquanto procuramos vaga para estacionar, os coqueiros, os guardas trajando colete com um X nas costas à espera de cinco reais ou dez, a depender do local e do público, o horizonte sem obstáculos que se estende como agonia.
A praia como uma experiência de desobstrução da capacidade de enxergar, de ver além, de estar diante dessa via de péssima pavimentação no curso da qual cada parada é um ponto de salto de um sonho para outro.
Agora, já de volta, o corpo amolecido pelo sol, penso que estar naquela parte da cidade é como habitar de fato esse sonho, nada retém seus contornos, a praia os dissolve, a praia os engole e expele como matéria liquefeita, mais ou menos como calor derretendo plástico vagarosamente e a maresia corroendo em lento processo o ferro, o cimento, o barro, o metálico dos carros abandonados como despojos de uma civilização deixada pra trás.
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