De repente, mas talvez não tão de repente assim, o virtuosismo moral virou pedra de toque das relações nas redes sociais, esse espaço onde cada usuário acorda todo dia disposto a responder a seguinte pergunta antes do primeiro gole de café: por que me ufano de mim mesmo?
E, nessa gincana do espírito, tudo se converte em motivo para autocelebração, que, por sua vez, significa a rejeição de um outro a quem o virtuoso se opõe e cujos pecados pretende explicitar, seja com o próprio exemplo, seja atacando-os diretamente.
Afinal, não se festeja o próprio ego à toa, mas sempre em relação a outrem, com quem se estabelece uma demarcação e se institui uma fronteira. É-se virtuoso não por si mesmo, mas porque alguém não é.
O virtuoso, por razões óbvias, nunca se peja de jogar confetes e atrair o holofote para a própria virtude, fazendo-a maior do que de fato é, sovando-a dia a dia e engordando suas dimensões, como um Godzilla do caráter, um King Kong do bom exemplo.
Tudo em suas mãos se molda como instrumento, tudo é o meio pelo qual faz demonstrar sua posição, sublinhar a escolha acertada e, consequentemente, a justeza de suas convicções.
Mesmo o uso da máscara correta em tempos de pandemia, vejam só, constitui motivo para que o virtuoso se proclame indiretamente como posseiro de uma qualidade que outros não têm, qual seja, a de identificar e fazer a utilização adequada de um item de proteção sanitária.
Não digo que todos que alertem para isso e que recomendem o uso de uma certa máscara e não de outra o façam animados por essa disposição VTzeira. Digo somente que há sempre esse tipo, discernível à distância, que vive à caça de oportunidades para dar a ver a uma plateia atenta o tamanho e a inescapabilidade de seu dote moral, de seu manancial de virtude, de sua justa aplicação a qualquer situação do cotidiano.
Cito o caso da máscara apenas por me fazer lembrar mais facilmente desse discurso e porque o identifico também a um e outro, mas poderia mencionar outros exemplos acaso não fosse domingo e não tivesse coisa melhor para fazer, como trabalhar.
Tampouco acredito que se trate de coisa nova. Não é. Apenas a internet deu mais visibilidade a um perfil já existente que, no entanto, limitava a sua atuação aos palcos da vida privada e que agora, justamente em tempos em que a etiqueta social é questão de vida ou morte e todos se assombram quando um presidente opera num sentido contrário ao da saúde, resolve fazer disso um negócio e granjear fama ostentando sem descanso a plaquinha do bom-mocismo.
Portanto, exibir e, mais ainda, exibir-se perorando e trivializando conselhos a três por quatro com mui prazerosa comunicabilidade e frequência se equivalem ao alpinismo típico das rodas de alta conversa daquela época pré-pandêmica, quando o mais importante era sempre dispor na vitrine o melhor de si o tempo que fosse e esperar como paga a retribuição social devida.
Ora, nada melhor que excluir, julgar, cancelar e afastar o outro, de modo a vender o próprio peixe, identificando-se sempre com esse bem e esse lado cuja marca são a benemerência e os bons predicados, para assegurar-se permanentemente no cômodo mais iluminado do espírito humano.
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