A questão que se impõe agora, e para a qual tenho evitado olhar, é se nossos filhos devem voltar ou não às escolas e como voltar, se os mesmos ou se adaptados a espaços que os receberão diferentes, ante tudo que se viveu nesses seis meses de afastamento compulsório e reviravoltas, ânsias e agonias de separação. Nenhum plano contempla esse buraco.
Então as crianças retomam o convívio umas com outras sem nada que se ofereça como explicação para o que experimentaram nesse interregno?
Reagrupam-se em salas aclimatadas a esse novo real, divididas em pares ou trios, separadas por biombos, permanentemente higienizadas e asseadas para evitar que contaminem a si e aos outros? E por quanto tempo?
Como dizer a um pequeno que, durante esse período, o mundo se pôs de ponta-cabeça e agora nada é mais como antes? Não sei, mas penso sobretudo nos professores, profissionais na ponta e parte do grupo de risco a quem não se dá ouvidos.
De todas as vozes no debate, as menos audíveis neste momento é a dos docentes, calados ou silenciados por escolas, das menores até as mais progressistas, porque não há diferença quando se trata de defender um retorno ao espaço escolar, seja de que maneira for, desde que não se perca um ano já condenado a se perder.
Houve quem se lembrasse de lhes perguntar diretamente o que pensam de uma volta sob essas condições?
Desde março, fiz o que não costumava fazer com a frequência que todo pai deveria ter: acompanhar as aulas colado ao dia a dia, a par das tarefas e dos progressos, sanando dificuldades e me atrevendo a adivinhar desde já as predileções da filha, se mais artes ou matemática, divertindo-me e também perdendo o juízo diante das dificuldades embutidas nessa modalidade remota.
O olhar da filha que se distrai constantemente para uma boneca, a brincadeira da tia que não captura a atenção da turma e daí é preciso reconduzi-los à aula, a paisagem sonora de cada casa ou apartamento que se mistura aos comandos da atividade, confundindo a todos e produzindo uma algaravia sem fim.
Apesar desses acidentes, o confinamento me ajudou a ter com a escola a presença e a participação que antes, naquele mundo de pré-pandemia, eu não tinha. E a ver como, aos poucos, a energia dos professores se converteu em cansaço, passando ao quase desânimo em alguns momentos, porque deles se continuou a esperar que fizessem o máximo tendo somente o mínimo.
Não se exigiu que escolas e diretores tivessem à mão um plano de preparo dessas aulas e de auxílio psicológico para seu professorado. Entre os pais, o receio tinha somente um nome: déficit de aprendizagem.
Era crucial garantir que seus filhos, em quem investiam como se investe na bolsa de valores, fossem para o ano seguinte munidos dos conhecimentos pelos quais haviam desembolsado muito dinheiro ainda no começo de 2020. Agora, cobravam essa fatura.
Falo de uma experiência particular tipicamente de classe média sem a pretensão de generalizá-la, mas certo de que, seja no meu bairro ou na periferia, o elo mais frágil nessa corrente é o mesmo, os docentes, e que nenhum processo de volta às aulas deveria estar em discussão sem que antes se ouvisse atentamente o que esses profissionais de fato têm a ensinar sobre os desafios de estar novamente nesse lugar de tantos afetos que é a escola.
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