Devoto do desgosto, como lhe pespegam as más línguas, agosto redimiu-se em 2020. Porque todo o ano é uma enfiada de desgraças do início até agora, sem tempo para respiro, quase não se notou que esse mês tradicionalmente desafortunado e infeliz passou sem tanto estardalhaço, numa temporada de quase amenidades.
De sua já conhecida nebulosa de más notícias e chorume a escorrer pelas calçadas país afora, soube-se tão somente do habitual: queimadas, vômitos presidenciais, peripécias do “Anjo”, escaramuças filiais e o que de mais sortido se produz neste governo, como as mortes em cascata e as reiteradas demonstrações de incivilidade e burrice, marcas em alto relevo como as que se imprimem na pelagem do gado para distingui-lo em meio à boiada.
Feito isso, porém, agosto dirigiu-se à porta de saída, atravessou o Rubicão e cá está a despedir-se, muito distante da fama que o consagrou como quadra cuja especialidade era o infortúnio. Deixa o tablado a bem dizer envergonhado.
Como o atleta de alto rendimento de quem se esperava grande atuação mas cuja performance frustrou a todos (não sejam maldosos ao pensar num certo jogador brasileiro com um certo corte de cabelo), minguou, mineiramente, certo de que, nessa sucessão pesarosa que tem sido o ano, não haveria de impor nada de mui relevante.
Suponho que, pela primeira vez na história, talvez um tanto aliviado também. Afinal, como concorrer com os meses que o antecederam no nosso calendário e tudo que legaram, da pandemia à queda de ministros, dois deles da Saúde, passando pelo PIB no precipício e por uma dúvida que rapidamente se converteu em pergunta ecoada em toda boca por toda a gente em todo o canto: por que Michelle Bolsonaro recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?
Agosto não tinha resposta, como o presidente não tem, ou finge não ter. E, renunciando a demorar-se mais, de modo a insistir e pelejar até o fim, aceitou a derrota e pediu arrego, deixando os gramados mais ou menos como Thiago Silva deve ter deixado o campo em 2014 contra a Alemanha. Nada de maledicência, catástrofe ou abatimento adicional além daquele que somos capazes de suportar.
Disse aliviado, mas talvez o sentimento tenha sido bem outro: vergonha. Sim, é isso mesmo. Em desacordo com o currículo, o mês termina humilhado, levado às cordas, rebaixado pela oitava vez à Série C, se houvesse série e o parâmetro de permanência fossem as desgraças.
Afinal, acrescenta pouquíssimo à nossa lista interminável de desditas, senão por um episódio: a debacle do governador do Rio de Janeiro, um desses personagens a cair num agosto não de 1954, quando outro mandatário receava o mar de lama que se avizinhava, mas de 2020, que é nosso equivalente àquela algazarra de décadas atrás.
Quem sabe ano que vem, pensa agosto, nauseabundo, mas sem perder de todo a esperança num futuro pior do que este presente. Intui que o desafio é imenso e, até lá, terá de vencer na unha o janeiro, o fevereiro e outros que lhe antecipam, todos com muito a oferecer quando se trata de levar o Brasil à ruína para onde caminhamos.
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