Fui até a esquina e depois dei a
volta no quarteirão inteiro, em seguida retornei pra casa por uma rua
transversal até finalmente dar de cara com o mesmo portão que estou habituado a
abrir todos os dias digitando uma senha de seis dígitos que é a mesma para tudo. Pela primeira vez na vida sinto
como se não estivesse no Natal, mas em qualquer época do ano, esses períodos
entre datas nos quais as pessoas nem são carnavalescas nem pascalinas, mas
apenas elas, desenfeitadas e à espera de que algo aconteça ou chegue logo outro
momento em que se armam de espírito... Junino, por exemplo.
Não é o caso de agora, e me
pergunto por que diabos o Natal não pegou. O Natal não pegou na padaria, na
loja de ferragens e na churrascaria. Não pegou na oficina. Pegou parcialmente
no supermercado porque, enfim, é o supermercado, e lá os funcionários dependem
de que essa magia efetivamente funcione. Mas mesmo ali o índice de natalinidade
é baixo, diria baixíssimo. Está encarapitado no rosto do vendedor: Papai Noel
não existe, e não faz diferença se você veio aqui comprar nozes ou apenas ameixas secas.
Faltam mais luzes piscando e
cores vivas, tons de vermelho e amarelo e branco decorando tábuas de frios, trenós
de papelão puxando fardos de refrigerante, um bom velhinho desfilando entre gôndolas
de produtos em promoção, promotoras de venda com gorros oferecendo pedaços
queijo espetados em palitos. Essas coisas que demarcam a existência dentro do
universo semântico do supermercado num dia qualquer de Natal.
Mas qual o quê, não se vê nada
disso, a não ser por um ou outro sujeito mais resistente, alguém cujo apego às
tradições supera esse desânimo que foi passando de pessoa em pessoa, como uma
virose que atinge toda a cidade. A virose antinatalina.
É isso mesmo, algo como um resfriado ou gripe, uma doença de fácil contágio que se espalha à medida que travamos contato uns com os outros e deixamos com outrem um pouco da nossa carga de infelicidade que se transmitiu ao longo do ano. Afinal, é disso que se trata. Estamos todos ou tristes ou desenxabidos ou de saco cheio ou muito cansados para celebrar o que quer que seja, e ainda bem que chegamos até aqui.
É isso mesmo, algo como um resfriado ou gripe, uma doença de fácil contágio que se espalha à medida que travamos contato uns com os outros e deixamos com outrem um pouco da nossa carga de infelicidade que se transmitiu ao longo do ano. Afinal, é disso que se trata. Estamos todos ou tristes ou desenxabidos ou de saco cheio ou muito cansados para celebrar o que quer que seja, e ainda bem que chegamos até aqui.
É como se o Natal não
combinasse com o momento, como uma peça de roupa que não nos cabe. Ou pior:
como se 2019 dispensasse o Natal por julgá-lo inadequado, velho, antiquado. Torcemos
tanto para o ano acabar e agora estamos aqui parando para festejar um momento. Ora,
a gente sabe que festejar é estancar o tempo, suspender a passagem e dizer mais
uma vez: ainda não. Então é isso que acontece quando tudo se esgota.
“Mas foi por acaso”, me garantiu, “a gente não vê a hora de tudo acabar e ir logo embora pra casa descansar”.
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