O ano é 2059, e de tanto
pelejar com as farmácias sem poder de fato enfrentá-las, a cidade decide
abraçar sua vocação de drugstore, deixando de lado turismo e a fé para se
dedicar aos fármacos em tempo integral, numa recolocação jamais vista entre as
capitais brasileiras.
Nesse futuro alternativo, ruas
têm nomes de remédios e vias homenageiam os pioneiros da Grande Ocupação, que é
como se referem os empresários mais experientes aos anos de 2010 a 2020,
durante os quais as redes de drogarias alargaram seu domínio, engolindo vendas de açaís e tapiocarias e promovendo uma
corrida ao ouro.
Nessa época, os artistas da
bula comparavam-se frequentemente aos caubóis que desbravaram o oeste americano,
enfrentando as intempéries a cada nova filial aberta numa esquina onde antes
funcionava um café ou uma padaria ou frutificava um terreno com árvores e só.
Num regime comparado ao “plantation”,
ou seja, planificado e inteiramente voltado para a exportação de uma cultura, a
do remédio, a cidade especializou-se de vez. Assim nasceram as hoje famosas
avenidas Dragasil e “Pay Less”, que cortam Fortaleza de ponta a ponta e onde funciona o maior corredor de farmácias do
cone sul.
Simultaneamente, na orla da Capital surgiram as primeiras barracas de praia que não serviam tilápia frita ou pargo na telha, mas antialérgico e relaxante muscular em porções fartas acompanhadas de soro, enxaguante bucal ou energético.
Simultaneamente, na orla da Capital surgiram as primeiras barracas de praia que não serviam tilápia frita ou pargo na telha, mas antialérgico e relaxante muscular em porções fartas acompanhadas de soro, enxaguante bucal ou energético.
A tradicional quinta do
caranguejo, por sua vez, logo foi substituída pela "Quinta da Neosaldina",
ocasião em que os moradores da cidade se encontravam para mitigar suas dores da
única maneira que podiam. Em pouco tempo, a estátua de Iracema foi trocada pelo
busto de uma caixa de tarja-preta, erguida por artistas da terra no mesmo ponto
onde figurava a índia Guardiã.
Não demorou até que bairros
inteiros passassem a receber nomes de produtos e compostos químicos,
de modo que a metrópole, antes dividida em regionais, ganhou setores patrocinados,
numa radicalização do name-righting.
Foi dessa maneira que apareceram
bairros como o Dorflex, onde era a Grande Messejana, o Buscopan, que tomou o
lugar da Barra do Ceará, e o Dipirona, ex-Meireles.
Aos poucos, a capital cearense consolidou-se como “farmacity”, conceito criado por Juca Popular, um ex-entregador
da rede Pay Less e agora coach que disputara as eleições municipais de 2056 e,
em apenas três anos como prefeito, havia transformado radicalmente o perfil da loura
desposada do sol, convertendo-a num polo de atração de pessoas necessitadas de
cuidados medicamentosos que acorriam à cidade, numa romaria de depauperados semelhante à verificada
muitos anos atrás, quando Padre Cícero ainda se espichava no horto de Juazeiro
do Norte.
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