Precisamos falar sobre o
velhinho da slime, o idoso que estourou na internet com vídeos de até 12
minutos nos quais narra suas desventuras na tentativa de preparar uma massinha
que também está na moda por seus efeitos supostamente terapêuticos.
O nome do vovô é Nilson Izaías,
e é difícil explicar seu sucesso meteórico senão com palavras de
enternecimento, como “humanidade”, “beleza” e “fé”.
Pelo menos foi assim que me
senti enquanto assistia a Nilson lendo os comentários de internautas anotados
num caderno de pauta, desses que usava na escola. A câmera mal instalada numa
mesa coberta com uma toalha que lembrava a da casa da minha avó. Tudo ali era
familiar, dos móveis simples ao tom da prosa do velhinho, que instantaneamente
se tornou o avô da internet, ocupando um lugar de afeto genuíno.
Aos 2 minutos da postagem “Mais
uma tentativa de slime que quase deu certo, meus amigos e amigas”, eu já estava
com o coração em pedaços, os olhos marejados, a certeza de que não a bondade,
mas a pureza era possível. O mero título (Mais
uma tentativa de slime / que quase deu certo), se metrificado, era em si um
poema, uma lírica dos insucessos cotidianos que traduzia todas as frustrações
pessoais numa imagem de total banalidade.
Nilson era como um Cristo
redivivo enviado ao mundo virtual com a missão de trazer a verdade sob a forma
de uma gosma colorida que esticava para todos os lados, mas nunca se rompia –
imagem bastante adequada aos tempos atuais, aliás.
Eu podia ter começado a
desconfiar a partir daí. Aquele youtuber sênior excessivamente fofo não era
como uma criança divertindo-se com um brinquedo. Era um adulto diante de uma
câmera. E, como todo adulto, tinha um fundo falso sob o qual se entulham as
tralhas que escolhemos não mostrar aos outros na internet, certo? Aquilo que
Georges Bataille chama de “a parte maldita”.
Logo a internet, essa draga que
retira areia do fundo do mar e a despeja noutro canto, passou a vasculhar a
vida de Nilson. E ela tinha rastros de suspeita de pedofilia, pornografia
infantil e conservadorismo extremado.
Em 48 horas, o “velhinho do
slime” começou a ganhar outro rosto – um rosto retorcido, como o de Dorian
Gray. Como nos contos de horror romântico, Nilson era metade homem, metade
monstro. Num instante, foi de senhorzinho que amoleceu corações a
vilão cujas opiniões políticas não se encaixavam à imagem sacrossanta expressa
naqueles vídeos de natureza pueril.
Num de seus livros mais
famosos, A parte obscura de nós mesmos, a historiadora e psicanalista francesa
Elisabeth Roudinesco esquadrinha a história dos perversos. Diz ela: a perversão
é uma “criminalidade excepcional, julgada bestial, monstruosa, inumana, vista
como extrínseca à própria humanidade do homem”.
As redes parecem ter ampliado o
potencial de adesão à esfera do mito, cultivando um ideal de limpeza e criando
arquétipos de moralidade do dia para a noite – daí que um candidato haja
explorado exatamente essa dimensão, apresentando-se não apenas fora da política,
mas acima dela.
A ascensão e queda de Nilson,
se confirmadas essas acusações, mostram que essa obscuridade de que fala
Roudinesco está muito próxima de cada um de nós. “Quanto maior a beleza, maior
a ignomínia”, escreve Bataille na epígrafe da obra.
A frase poderia ser a
legenda para a breve trajetória do velhinho do slime.
* Atualização sobre o caso aqui.
* Atualização sobre o caso aqui.
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