Ainda no café, folheio uns
jornais, leio as resenhas, vasculho os rastros da trajetória de uma personagem
que persigo há dias, sem sucesso.
Falo com a mãe ao telefone. Ando
preocupado com a sua saúde, eu lhe digo, e desligo. A mãe tão parecida comigo
em tudo, nos seus erros os meus erros.
Faço essas coisas que aprendi a
fazer numa manhã de sábado. Uma vida de rituais, os hábitos desde há muito demarcados.
Serei este, decidi, e até hoje é nesse que sou que tento encontrar algum
sossego.
Remexo a mochila, topo com esse
bilhete e um recorte de notícia. É parte da coluna da Mãe Jussara, uma vidente
que faz suas previsões pessoais no jornal local.
A carta é muito dura. Mãe
Jussara dirige-se a uma mulher, diz coisas que talvez a cliente – posso chamá-la
assim? – não quisesse ouvir. Penso que a mística se arrisca demasiadamente,
adotando uma crueza que não convém mesmo em jornalismo ou em literatura,
terrenos nos quais a verdade se traveste sempre.
E então me vem o pensamento: Mãe
Jussara é uma escritora, talvez a maior do Ceará, uma grande autora cuja obra,
dispersa em colunas de jornal, fragmentos extraviados e jamais coletados, ainda
carece de um estudo sério que restitua a seu trabalho a devida importância. A ideia
me diverte por pouco tempo.
Logo penso que pilheriar com
uma cartomante não é uma maneira segura de começar o fim de semana.
Perto do meio-dia, repasso a
lista de coisas que tenho de fazer: concluir um texto, colocar o ponto final
nessa história, retomar a leitura de “O romance luminoso”, almoçar, falar com o
pai, passar no supermercado, comprar uma pochete (risos).
Um amigo envia mensagem. Quer que
indique romances. Não qualquer romance, mas uma leitura que o desestabilize, que
o arranque do momento e o projete no espaço, devastado, revirado e devolvido ao
mundo como um outro cujas noções foram liquefeitas. Na voz – fantasio a voz – essa
urgência dos que planejam um assalto na madrugada.
Conheço a sensação. De estar
com o corpo à mercê de uma força que o vara.
Me sinto um pouco como Mãe
Jussara, tenho ganas de responder ao amigo que o problema dele é outro, e o
fato de procurar saídas nos livros apenas demonstra que ele está muito longe de
resolver esse impasse. Qual? Não sei, mas posso imaginar.
Os livros não ajudam, eu lhe
digo, quase no mesmo tom usado para falar que me preocupava com a saúde da mãe.
Os livros confundem.
O amigo ri, e então pede uma
lista de três ou quatro obras que sejam como fogueiras ou tornados. Ele usa
essas imagens de fenômenos da natureza ante os quais a força humana é
terrivelmente limitada e em cujo rastro há apenas ruína, uma paisagem de
edificações danificadas.
Envio os nomes. Ele agradece. Acrescento:
os livros precisam de tempo, meu amigo.
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