É sábado, e lá fora há calmaria
em meio a caos. Andei por alguns quarteirões, uma caminhada sob sol que levou
meia hora sem destino aparente ao fim da qual comecei a achar que não há
distinção entre fim e começo, céu e inferno, pesadelo e realidade.
Nos bares havia gente almoçando
e bebendo e por todo canto uma conversa quase sussurrada sobre o estado geral
das coisas.
As coisas, falam assim, sem se referir
exatamente a coisa alguma, estão prestes a colapsar, as coisas estão se movendo
com rapidez e ninguém percebe porque estamos dentro delas.
Uma conversa imaginária, claro,
ninguém falou nada além de pedaços triviais que fui pescando enquanto suava pra
vencer os poucos metros entre um ponto A e um B.
Poucos carros na rua, lojas abertas,
mas quase vazias.
Acordei tarde, então ainda
tenho o corpo dormente que aos poucos vai ganhando o ritmo do dia, cujo limite
não sei qual é.
De repente, tenho essa
impressão que às vezes aparece de que a realidade mais imediata perde contornos
e estou como que a esmo, sem propósito, indo a reboque de uma força cuja
intensidade jamais consigo descobrir qual é, tampouco sua direção.
Lembro de outra caminhada,
cerca de três anos atrás. Saí de casa e fui até a livraria a pé. Atravessei avenidas
e ruas, saltei meios-fios, cruzei duas praças até chegar aonde queria.
Levei aproximadamente uma hora
entre partida e chegada. Um tempo que pareceu então uma vida inteira.
Hoje não foi assim, tudo se
passou como se não houvesse tempo, no ar a sensação de que a desordem social
amplifica uma noção de que as coisas estão sempre por um fio, que as sustenta precariamente enquanto andamos de
um prédio a outro nas alturas, como aquele artista francês que conheci cinco
anos atrás num documentário na TV.
Era alta madrugada, talvez duas
da manhã, quando liguei nesse canal. Equilibrado num cabo estendido entre as
bordas de dois edifícios muito espichados no centro de Nova York, esse homem
avançava devagar.
O vento, que parecia muito
forte àquela altura, quase o derruba, mas ele se mantém em pé e segue em lenta
caminhada até finalmente atingir o outro lado.
Durante o pouco tempo que levou
essa travessia, eu me mantive sentado na beira da cama. Estava tenso. Não
conseguia dormir. Agora queria saber de quem se tratava, como
tinha começado a se interessar por isso, essa atividade indefinida. Não era
arte, tampouco um trabalho.
O homem se impunha o risco da
queda munido apenas de uma vara que o ajudava a garantir certa capacidade de continuar,
sempre em frente.
Enquanto andava na rua
silenciosa e finalmente chegava ao ponto B depois de quase meia hora, eu pensava
que era bom mover-se, deslocar-se, que no fundo andar era uma forma de clarear
os pensamentos, que eu me sentia como se a cada passo fosse acumulando e
acumulando, que era ótimo sentir o vento e ouvir uma conversa e espiar uma
porta de sala aberta e lá dentro duas pessoas sentadas falando sobre algo que
eu não sabia o que era.
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