É hora do almoço, e o restaurante fecha às 13h
em ponto. Funciona como uma repartição muito antiga de cuja pontualidade
dependesse o equilíbrio de energias universais, polos que se opõem e nessa
disputa mantêm-se entretecidos um ao outro. Mas é apenas um restaurante, lugar aonde vou
se preciso comer de manhã cedo ou no meio da tarde. Hoje ainda não comi. Estive
durante muito tempo engolfado numa espécie de nódoa. Um visco que tento
afastar, mas está aqui. Gruda, desliza, recobre o corpo, pernas e braços,
pescoço e tórax. Prende-se ao pau e aos pés. Não há como descamá-lo. Inútil desfazer-se
da sombra. Sorte se entrasse numa loja de cosméticos e me vendessem o produto
adequado para esfoliar da pele tudo que é matéria morta e veneno próprio. Mas nisso
estou com pouca sorte. A esta hora nada abre, tudo fecha. Como se disso
dependesse o arbítrio que governa cada pequena forma de vida.
Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...
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