E o sonho era assim.
Viajava sozinho pra uma cidade
fora do país com o cartão de crédito emprestado de outra pessoa. Chegava lá,
embarcava no metrô e ia a um local que agora não lembro ao certo, mas que
parecia um museu. Nesse museu que não era museu, havia uma mesa, e nessa mesa
os pratos estavam postos para um jantar ao qual eu tinha sido convidado por alguém
desconhecido.
Aparentemente, um dos outros
presentes era ninguém menos que Mario Vargas Llosa, que em princípio não deu
trela para a minha participação anônima naquele acontecimento festivo cujo
objetivo não estava claro pra mim nem pra ninguém.
Até que, lá pelas tantas, o
Vargas Llosa, que estava numa cadeira de rodas, se irrita profundamente com
algo que eu fiz ou disse, não sei direito, apenas que o escritor só não se pôs
de pé porque enfim não podia.
Exaltado, o peruano exige minha
prisão a alguém próximo. Uma discussão começa, eu retruco, tento manter a
calma, mas as circunstâncias – sozinho numa cidade distante e esquisita participando
de um evento sem propósito com pessoas estranhas – acabam me vencendo, e sou
levado ao tribunal.
Kafkiano, sim, mas mais que
isso. Reparem no desfecho.
Estou aflito, e o sonho
continua. O tribunal é uma espécie de teatro. Todas as cadeiras estão ocupadas.
Não distingo um rosto familiar sequer. Me
sinto um péssimo ator prestes a subir no palco para encenar Shakespeare.
Até que percebo um homem que me
encara. Parece mais raivoso do que o restante da plateia. Ele me xinga. Triste e
também enfurecido com a injustiça da situação, devolvo a arenga. O espectador passa
a lançar impropérios contra mim. Até que o desafio.
Ele se levanta e caminha em
minha direção. É muito mais alto que eu, os braços longos escorrendo como
galhos pesados de uma árvore.
Quando está a apenas poucos
centímetros do meu rosto, porém, não é mais homem. É uma mulher de cabelos
longos e crespos. Uma mulher esguia e bonita que me olha com sedução e raiva.
Também de repente, o rosto dela
se descontrai. Conversamos. Agora eu que chego mais perto. Quase a beijo nos
lábios. Mas faço outra coisa.
Eu me agacho. Fico de joelhos. Ela
se mantém como estava, ereta e sem dar um passo. Minha boca agora está na
altura do seu ventre à mostra.
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