O apartamento está pintado, as paredes sem
marcas. Cruzo a entrada de pedras. Se alguém viveu por ali nos últimos 12 meses
ou 12 anos, não se sabe. Os quartos, os móveis, nada retém memória. Fico pensando
nisso ainda por uns segundos.
Damião é moreno, baixo. Veste calção e bermuda. Tem cheiro forte de desodorante. Tipo desconfiado. Atravessa a sala e aponta o
guarda-roupa embutido. Depois dá três tapinhas na pia do banheiro, que balança.
É nova, ele diz. São todos iguais, mas os detalhes fazem a diferença. Pouca gente
repara.
Simpatizo imediatamente com Damião. Tipo que gosta de detalhes, e detalhe hoje não tem tanta importância. Talvez
até se queixe quando os pretendentes a inquilinos ignoram uma demão de tinta
mais caprichada, uma porta bem assentada, uma janela que abre sem rangido. É o
seu trabalho naquele momento. Ele tem orgulho, dá pra notar. É o que chama de
detalhe.
Imagino uma rotina como a sua: limpar,
varrer, regar, rebocar quando necessário, colocar o lixo do lado de fora, orientar
um ou outro morador, parar pro almoço, voltar, fazer uma nova ronda. Faz isso há
13 anos no mesmo prédio. Nada sobra nem falta.
Paro um instante, apoio os cotovelos no batente.
Espicho a vista, alcanço os quatro cantos do quarto, que está um pouco escuro àquela
hora da tarde. É possível a vida ali? Nos fundos uma árvore. Do lado há um
seminário. Um homem dorme numa rede armada no final do corredor. Gosto da ideia
de uma rede assim à vista de todos. Pergunto se os padres fazem barulho. Damião
balança a cabeça negativamente.
A pergunta se repete, agora apenas na minha cabeça: é possível uma vida ali?
A pergunta se repete, agora apenas na minha cabeça: é possível uma vida ali?
Damião mostra outros apartamentos vazios. Todos iguais. Ele se detém numa janela: essa ainda precisa de conserto. Depois fecha a porta. Descemos.
Saio pra rua, o fluxo cerrado de veículos no final da tarde. Conheço essa avenida. Conheço essas casas antigas. Conheço um pouco cada passo que dou antes mesmo de dar.
Comentários