Há um mês fiz como Dante e
mergulhei no inferno de onde não saí rumo ao paraíso pelas mãos de nenhuma
Beatriz.
Fui e voltei por minha conta, mas o fato é que gostei do
inferno. É o que se pode chamar de lugar bacana. Sua circularidade, suas almas eternamente
condenadas, as figuras de proa da cultura atiradas mais por vaidade e crimes de
menor potencial danoso que por qualquer outra coisa, o aspecto geométrico, as animadas conversações, os grupos, sua geografia montanhosa, os
lagos, os barqueiros, as almas diariamente mergulhadas em agonia.
Por tudo isso acreditei que o inferno é uma
festa, as mentes mais brilhantes estão lá, seus dias não se parecem, ao
contrário do paraíso, um festival de carolices retroalimentando-se
continuamente, umas horas que se passam como gato preguiçoso estirando-se no
parapeito da janela, uns domingos assim sem gosto, uns sábados em celebrações
harmoniosas no curso dos quais o único sobressalto é descobrir que horas as
crianças poderão dormir.
A Divina Comédia, familiar e
pessoal, nunca termina.
Então o inferno é isto? Eu queria
o inferno, pedi que Virgílio ficasse, deitasse cama e puséssemos uns gravetos
pra queimar e aquecer, o que seria contraditório já que estávamos no inferno. E
essa foi minha maior surpresa: é frio no inferno e não quente.
Mas então fomos embora. Isso
foi mais ou menos um mês atrás, ainda agosto, quase setembro, e agora um mês se
passou e sinto falta dos sete círculos nos quais tinha mergulhado, sinto falta
do que entre nós significa estar no inferno e dele fazer uma morada, falta do que falta, falta do que é descompasso e falta do que é caminhar sem enxergar nada diante do nariz.
É assim no inferno, é assim sempre que pomos um pé após o outro e sentimos que o chão cede e o ar é pesado e ao olhar pra cima o céu desaba e ao seguir em frente uma porta que parecia aberta súbito fecha-se mal encostamos o dedo na maçaneta.
Logo será dezembro, mês de férias, ventos ainda arrasando, um inferno de paixões desmedidas em banho Maria aguardando novo mergulho nos círculos concêntricos cuja fuga nunca é plenamente bem-sucedida.
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