O homem liga, agora parece
resolvido a tratar do problema de forma direta.
Carlos, temos um problema.
Estou vendo que sim. Sem dúvida que temos um problema e vamos resolvê-lo.
Henrique, por favor.
Carlos, quer que o chame de
Henrique? Como queira. Henrique será. É que gosto de Carlos porque é o nome do
meu pai e também o de meu filho, mas Henrique também é um bom nome.
...
Carlos Henrique, vejo que o
senhor está sem conexão externa, sinto que algo afetou a maneira como recebia e
dava notícias de si ao mundo, então esta ligação tem o intuito de reparar
qualquer tipo de obstáculo que esteja porventura atrapalhando esse diálogo entre
o senhor e o lado de fora da sua casa, compreendido?
Quero apenas restabelecer a
internet. Foi pra isso que liguei.
Carlos, é possível que algo
ou alguém tenha feito uso incorreto das ferramentas que são importantes para a
conexão?
Duvido. Mas o senhor que me
responda: é possível?
É isso que me intriga, de
modo que me ponho agora a examinar mais de perto o seu problema.
(minutos eternos se passam, o
homem respira algo no telefone)
É, nada há que faça crer que
o senhor foi vítima de alguma sabotagem, que outrem interferiu de modo
deliberado no andamento dos seus dias ou que as coisas tenham de algum modo se
extraviado de seu funcionamento natural.
Imaginei que não, não tenho
inimigos, exceto os que não conheço, que podem não ser poucos, e os
equipamentos são novos, as caixas, os fios, o teclado e a fiação, tudo que me
liga ao mundo foi recentemente adquirido.
Talvez esse seja o problema.
Falta gastá-los. O senhor já se gastou o bastante, senhor Carlos?
Henrique.
Carlos Henrique.
Não entendi a pergunta. Se já
gastei roupa, sola de sapato, perfume? Como isso pode recuperar minha conexão
de internet?
Indiretamente talvez não
ajude, tampouco diretamente, mas me pergunto se há qualquer coisa de
eletricamente desajustada na energia que o senhor emana para os seus aparelhos
eletroeletrônicos.
Energia?
Sim, senhor Carlos. Energia.
(tampa o bocal do telefone e
olha a parede sem entender)
Vê só, minha energia está boa,
talvez pudesse estar melhor, é verdade, mas ninguém vive a 100% todas as horas
do dia. Concorda? A que horas terei minha internet de volta?
Senhor Carlos, o senhor acredita em Deus?
Por favor, responda a minha
pergunta ou do contrário terei que entrar em contato com o SAC da sua empresa
para dizer que tem alguém do outro lado da linha que, em vez de consertar a
merda da internet, está tentando me converter.
Crê?
Pouco, quase nada. Sequer fiz
catecismo, não batizei minha filha, tenho parentes da umbanda e outros
católicos. Uma mistura.
Entendo. Senhor Carlos, o
diagnóstico é simples: sinal oscilante. Uma equipe será enviada a seu domicílio
o mais rápido possível.
Ainda hoje?
O mais rápido possível.
Que dura quanto tempo?
Quanto tempo o senhor
suportaria esperar sem conexão com o mundo, Henrique?
Sei lá, umas seis horas, no
máximo. Dependo disso pra trabalhar.
Não há conexão no trabalho?
Sim, mas quero dizer que
trabalho para mim mesmo nas horas vagas em casa e que preciso de internet pra
escrever e que apenas escrevendo posso estar em conexão com o mundo.
Pra escrever também? Pensei
que bastassem letras, apertar letras que pulavam na tela.
Quanto tempo?
Menos que seis horas.
Fico feliz.
Eu também fico, senhor
Carlos.
Então era isso, agradeço pela
atenção e desculpa qualquer coisa, se fui grosso ou algo parecido. Não costumo
ter esse tipo de diálogo com funcionários das empresas que procuro pra resolver
problemas de ordem técnica.
E quem disse que sou funcionário?
Com quem estou falando?
O senhor sabe, senhor Carlos.
Comentários