Eu vi o rio e ele corria ao contrário. Ou simplesmente
não corria, ficava parado, olhando pros lados, à procura sabe-se deus de quê, o
certo é que procurava, e logo retomava a corrida, agora em movimentos
espasmódicos, nada da fluidez e a qualidade caudalosa anteriores, o rio, esse
rio que eu vi numa quarta-feira de janeiro há tanto tempo que começo a duvidar,
corria para todos os lados e nenhum.
Coleciono inícios, restos de frases, pedaços e quinas das coisas que podem eventualmente servir, como um construtor cuja obra é sempre uma potência não realizada. Fios e tralhas, objetos guardados em latas de biscoito amanteigado, recipientes que um dia acondicionaram substâncias jamais sabidas. Se acontece de ter uma ideia, por exemplo, anoto mentalmente, sem compromisso. Digo a mim mesmo que não esquecerei, mas sempre esqueço depois de umas poucas horas andando pela casa, um segundo antes de tropeçar na pedra do sono ou de cair no precipício dos dias úteis. Às vezes penso: dá uma boa história, sem saber ao certo de onde partiria, aonde chegaria, se seria realmente uma história com começo, meio e final, se valeria a pena investir tempo, se ao cabo de tantos dias dedicado a escrevê-la ela me traria mais felicidade ou mais tristeza, se estaria satisfeito em tê-la concluído ou largando-a pela metade. Enfim, essas dúvidas naturais num processo qualquer de escrita de narrativas que não são