Escrevê-los permite ao romancista viver boa
parte de seu tempo instalado na ficção, seguramente o único lugar suportável,
ou o que o é mais. Isso quer dizer que lhe permite viver no reino do que pôde
ser e nunca foi, por isso mesmo no território do que ainda é possível, do que
sempre estará por ser cumprido, do que ainda não está descartado por já ter
acontecido ou porque se sabe que nunca ocorrerá. O romancista realista, ou que
assim é chamado, aquele que ao escrever segue instalado e vivendo no território
daquilo que é e acontece, é o que confundiu sua atividade com a do cronista, a
do repórter ou a do documentarista. O romancista verdadeiro não reflete a
realidade, mas sim a irrealidade, entendendo por esta não a inverossimilhança
nem o fantástico, mas simplesmente o que poderia ter acontecido e não
aconteceu, o contrário dos fatos, dos acontecimentos, dos dados e dos feitos, o
contrário "do que acontece". Aquilo que "só" é possível
segue sendo possível, eternamente possível em qualquer época e em qualquer
lugar, e por isso se pode ler ainda hoje "Dom Quixote" ou
"Madame Bovary", alguém pode viver uma temporada com eles dando-lhes
crédito, ou seja, não considerando-os impossíveis nem por serem já
ultrapassados, ou o que dá no mesmo, por consabidos. A Espanha de 1600 que
conhecemos e que hoje conta para nós é a de Cervantes e não outra, a de um
livro irreal sobre livros irreais e sobre um anacrônico cavaleiro andante saído
deles, e não do que era ou foi a realidade: a assim chamada Espanha de 1600 não
existe, ainda que é de se supor que tenha existido; assim como nada existe ou
conta mais sobre a França de 1900 que aquela que Proust decidiu incluir em sua
obra de ficção, a única que hoje conhecemos. Antes havia dito que a ficção é o
lugar mais suportável. Assim é porque traz diversão e consolo aos que a
frequentam, mas também por algo a mais, a saber: porque além de ser isso,
ficção presente, é também o futuro possível da realidade. E ainda que nada
tenha que ver com a imortalidade pessoal, isso quer dizer que para cada
romancista há uma possibilidade --infinitesimal, mas uma possibilidade-- de que
o que ele escreva esteja configurando e ao mesmo tempo seja esse futuro que ele
nunca verá.
Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por