Da ponte viu que um novo espigão tinha sido
erguido bem ali, perto dos navios encalhados e da carcaça ferruginosa do Mara
Hope, perto da área onde o governador pretende construir um aquário gigantesco
para satisfazer desejos pessoais e oferecer aos de fora o melhor em termos de
visitação guiada a uma vida marinha controlada com rigor e medida por
instrumentos afinadíssimos trazidos de longe a um custo jamais informado, perto
ainda de uma comunidade pobre, perto também de uma dupla de policiais, um deles
mais bronzeado que o outro, ambos aparentemente familiarizados com a vizinhança,
ambos possivelmente assustados com a vizinhança.
Perguntou-se se o espigão era recente. Era?
Parecia obra inacabada. Diferente da ponte velha, estragada pelas três supremas
variáveis que concorrem para a degradação não apenas de superfícies, mas também
de pessoas (tempo, uso e abandono), o espigão tinha essa natureza indisfarçável
de novidade envelhecida a fórceps. Forçava a barra na condição postiça de objeto
muito experimentado.
Para se distrair das coisas desagradáveis
que vinha pensando ultimamente, lembrou que a ponte velha também era um espigão
e que, ao lado, a ponte dos ingleses era de alguma forma um espigão, o que
serviu para aproximar universos aparentemente distantes. Encarando a realidade,
espigões sempre existiram e sempre irão existir, se não com esse nome, com
outro, de modo que talvez fosse melhor aceitar o fato de que nem tudo que foge
ao controle e ao entendimento necessariamente traz esse tom de derrota
particular, heresia, aborto espontâneo de todos os planos.
Mas havia essa diferença básica. Em nenhuma
das duas pontes uma mulher grávida vestida de branco exibindo uma barriga de
oito meses posava para fotos. Em nenhuma delas um marido caminhava lentamente
em direção à esposa grávida de oito meses. Em nenhuma delas esse marido
dedicado abraçava demoradamente a esposa grávida e a beijava tal qual um astro
de cinema. Em nenhuma delas uma terceira pessoa, auxiliada por uma quarta, orientava
o casal nos movimentos de cena como uma diretora de peça teatral orienta o seu
elenco.
E nada disso parecia fora do lugar. Pelo contrário:
tudo soava estranhamente adequado. Como se jamais houvessem desempenhado outro
papel na vida, o falso espigão desviava as correntes marítimas, as pontes
degradavam-se, os policiais vigiavam turistas muito esguias correndo de
legging, a obra estagnava, a grávida concebia progressivamente e o marido da
grávida a cobria de beijos e mais beijos.