Antes de sair de casa, tomou outra xícara
de café. Apanhou uma caneta e prometeu guardar silêncio ao longo
das próximas horas, fizesse chuva ou sol, morressem pandas ou não. Os pensamentos
assim, empurrando-se uns aos outros, como refugiados a desembarcar de um navio à
beira do naufrágio. Saiu. Voltou. Tinha esquecido o mp3, que pôs na mochila. Abriu
a geladeira mais uma vez. A garrafa cheia, tudo guardado, faltavam cervejas,
poucas frutas, nenhum chocolate, azeitonas vencidas, escassez de iogurte,
hambúrguer congelado, uma panela destampada. A água sempre com esse gosto estranho,
um sabor metálico, cheia de temperos. Considerou tomar outro banho, colocar
outra roupa, embarcar noutro ônibus e descer noutro ponto. Devolveu o mp3 à
mesa. Tampou a panela. Comeu uma azeitona. Gostou do sabor. Abriu a janela. Esperaria
que a chuva molhasse tudo.
Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...