Antes de sair de casa, tomou outra xícara
de café. Apanhou uma caneta e prometeu guardar silêncio ao longo
das próximas horas, fizesse chuva ou sol, morressem pandas ou não. Os pensamentos
assim, empurrando-se uns aos outros, como refugiados a desembarcar de um navio à
beira do naufrágio. Saiu. Voltou. Tinha esquecido o mp3, que pôs na mochila. Abriu
a geladeira mais uma vez. A garrafa cheia, tudo guardado, faltavam cervejas,
poucas frutas, nenhum chocolate, azeitonas vencidas, escassez de iogurte,
hambúrguer congelado, uma panela destampada. A água sempre com esse gosto estranho,
um sabor metálico, cheia de temperos. Considerou tomar outro banho, colocar
outra roupa, embarcar noutro ônibus e descer noutro ponto. Devolveu o mp3 à
mesa. Tampou a panela. Comeu uma azeitona. Gostou do sabor. Abriu a janela. Esperaria
que a chuva molhasse tudo.
Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por