Vamos falar sobre o mito do
desagregacionsmo, essa construção ficcional sócio-proprietária de uma verdade
maior que procura explicar, em termos genéricos, como uma realidade particular –
a nossa – se movimenta.
Primeiro, é preciso dizer que muito já se escreveu sobre o desagregacionsimo e o seu par ordenado, o agregacionismo. Há quem defenda que, enquanto existirem fóruns, caixas de comentários e grupos de pessoas reunidas em torno de uma mesa no
centro da qual um casco de cerveja rege todos os fenômenos terrestres e
celestes – enquanto houver vida, o desagregacionismo continuará um tema
palpitante.
Grosso modo, o desagregacionismo consiste
na certeza de que discordar, raison d'être de qualquer relacionamento, é mais importante que escutar.
Escuto para discordar, portanto. Eis a
espinha dorsal do desagregacionismo. Da escuta são filtrados apenas os
elementos servíveis ao discurso de crítica e rejeitados os inservíveis.
Seja porque a internet permeabiliza tudo, e
fazendo isso as coisas nos chegam a uma velocidade incrível, principalmente o
que não gostaríamos de ver; seja porque as pessoas hoje falam mais e sobre muitos
assuntos, ainda que não conheçam minimamente os temas abordados – por uma razão
ou outra, a atitude opositiva obstinada é uma marca da contemporaneidade.
Vive-se em função de uma frágil adesão ou
de uma rejeição débil em argumentos, antipática em modos e infantil na
durabilidade, posto que não resiste uma troca de afagos numa noite em que
nenhuma aresta merece mais que um milésimo de segundo de atenção e todas as
energias dos corpos se ligam espontaneamente nesse projeto maluco que é estar
vivo.
Todavia, enxergar fissuras no discurso do
outro não é exatamente o problema.
O problema dá-se quando esse 1) outro é
sempre o mesmo, 2) as fissuras apontadas resultam menos de fragilidade intelectual
ou de má-vontade desse outro do que de uma engenhosa máquina de fixar alvos nas
costas de terceiros promovida pelo eu “lírico” do desagregador, 3) essa máquina
de fixar alvos em terceiros, por definição, jamais se volta contra quem a
manobra ou contra quem priva da amizade do manobrista.
Os engenheiros da retórica (a verdade está
na alcova) estão prontos a divergir, até intuitivamente, de quase tudo que
possa representar remotamente o esboço de entendimento entre partes que, numa
primeira visada, se afastam do seu eixo de relações/interesses/paixões.
Isso tudo não chega a ser necessariamente
ruim; por outro lado, também não significa, conforme a maioria acredita, que
seja algo bom. O subproduto das relações desagregadoras normalmente é a
inimizade. E inimizades são frequentemente ruins, embora de algumas se possa extrair uma parcela rala de benefício.
É sábio quem tira máximo gozo das amizades
e mais ainda das inimizades. Não sei quem disse isso, se o He-Man ou o Mestre
dos Magos, o que sei é que nunca dei muita importância a máximas.
Um ramo nefasto
O desagregacionismo comporta ainda uma
vertente radical: a personalista. Esse ramo de discordância apriorística notabiliza-se
por dirigir a uma única pessoa ou grupo específico delas a bílis negra da
desaprovação.
Sendo assim, não importa o que esse
nicho-alvo produza, o desagregador radical encontrará uma brecha ou ponto fraco
nas teses defendidas e logo fará desabrochar o seu antagonismo como uma flor
espinhosa que cresce à mercê do descontentamento e até do franco desgosto.
Há uma porção de desagregadores radicais
por aí, gente para quem o debate não é feito de ideias, mas de pessoas. E pessoas,
sob a perspectiva do desagregacionsmo, devem ser reprovadas ou aprovadas, não
interessa o que digam ou façam, o que disseram ou fizeram, o que ainda dirão
ou farão.
E é isso que deve ser observado e evitado a
todo custo e preço no discurso desagregador radical-personalista: não
satisfeito com a momentânea condenação manifesta sob forma de piada ou gracejo,
ele a projeta ao futuro, estendendo-a por muitos e muitos anos, até as gerações
derradeiras.
Nessa ênfase persecutória, a qualidade de
sermos quem somos antecede o caráter do que pensamos ou fazemos. A natureza do
que dissemos, condenável ou não, descredencia tudo que diremos de agora em
diante.
Num diagrama simplificado, o
desagregacionismo radical-personalista funciona assim: se A elogia um filme, B,
o desagregador radical, dirá desse mesmo filme: não presta.
Se A gosta de um livro e o recomenda a
amigos ou, o contrário, diz que tal obra é bem chatinha e merece a fogueira, B apresentará,
ato contínuo, um juízo não somente divergente, mas siamês – a única diferença é
o sinal negativo.
O desagregacionismo, não apenas o
radical-personalista, define-se, via de regra, pelo comodismo, visto que nada é
mais confortável que sustentar opiniões que são apenas o oposto de outras.
Afinal,
que mérito há em, observando que A elogia, B desaprova, e vice-versa?
Em resumo, o problema do desagregador
radical-personalista, e no geral o do desagregador, não é tanto funcionar como oposição
automática a outrem, mas de 1) desperdiçar grandes oportunidades de, partindo
de caminhos próprios, construir uma visão não atrelada a referenciais
obsessivo-compulsivos; 2) acreditar-se invariavelmente sob ataque massivo de
uma plêiade de gente idiota cujo ajuntamento em torno de uma ideia ou projeto,
seja ele de que natureza for, só poderá redundar em merda; 3) ser recalcitrante na escolha da opção que incomode, com incrível regularidade, o maior número de pessoas.
Um adendo: desconsiderem tudo que houver de subjetividade, extemporaneidade e sanha judicatória no exposto acima.
Outro adendo: concluída a leitura,
empreendam o seguinte exercício: onde se lêem “desagregacionismo” e “desagregacionsmo
radical-personalista”, substituam por “agregacionismo” e “agregacinosimo
radical-personalista”.