Toda cultura e educação e viagens ao
exterior e visitas a galerias de SP ou RJ ou mesmo temporadas inteiras em périplo
pelos destinos menos convencionais do mapa múndi não impedirão qualquer pessoa
de disputar da pior maneira possível uma cadeira no café da livraria.
A fim de garantir espaço para si mesma e
para a própria família, a pessoa em questão fará tudo que estiver ao seu
alcance na busca primitiva pela porção a que tem direito no rarefeito espaço
lítero-gastronômico do estabelecimento, um dos mais movimentados da cidade numa
noite de sábado e também índice de certa familiaridade com o que há de mais
sofisticado em matéria de bem-estar espiritual.
Para tanto, a pessoa se verá inclinada a
recorrer a expedientes que, em outra situação, em outro momento, em outro país,
acompanhada de outras pessoas que não aquelas do café localizado em Fortaleza, ou
seja, em circunstâncias absolutamente diferentes, não hesitaria em condenar.
São eles: a pressão psicológica que dirige
aos funcionários do café e a exibição ostensiva dos símbolos de classe como
forma de obter algum tipo de salvaguarda subliminar cujo propósito final pode
ser compreendido como uma tentativa de convencer o restante do grupo que
aguarda uma cadeira de que a espera dela, da pessoa privilegiada, não deve ser
vista como um evento ordinário, normal, corriqueiro, mas como um acontecimento resultante
de uma conjunção inesperada e irrepetível de variáveis.
Como fenômeno, como milagre.
O que é pior: contrafeita porque nenhum
desses expedientes irá efetivamente garantir a mesa no aconchegante café - e
vendo os demais integrantes da trupe ilustrada deliciarem-se com os quitutes da
casa cuja especialidade é não ter especialidades, mas vender de tudo um pouco,
da tapioca ao shake de chocolate -, a
pessoa decidirá não ficar muito ansiosa; tampouco relaxada.
De modo que, daí em diante, o que veremos é
uma batalha nada sutil entre a postura de indignação e a de normalidade, a do incômodo
escancarado e a do autoconvencimento de que tudo se resolverá em instantes.
Alguém berra: um capuccino para a mesa seis.
A pessoa franze o cenho.
Mas eis que surge a oportunidade de ouro. Acostumada
a aproveitar cada chance que a vida oferece para assentar mais um tijolinho no cintilante
pavimento da trajetória até ali superabundante de vitórias, a pessoa não pensa
duas vezes e avança, arrastando atrás de si, num elo inquebrantável, os
integrantes da família, traçando mentalmente a rota mais fácil até o alvo, arremetendo
entre cadeiras, contornando obstáculos imprevistos (a alça de uma bolsa que se
enrosca no cinto, uma criança que atravanca o caminho, um garçom que passa o
cartão na maquineta).
Até finalmente alcançar a cadeira. Alívio. Todos
sentados.
Pouco importa se a cadeira não era a dela. Se
havia outras pessoas à espera. Se havia uma fila.