A menos de duzentas páginas do fim, 167 pra
ser preciso, olho pro Barba ensopada de sangue
em cima da mesa e penso dois segundos ou três se estiver com tempo livre. E logo
vem o desejo de continuar a leitura, o que acaba se mostrando o grande diferencial
do romance (me permitam livre acesso à expressão “grande diferencial”, que utilizarei
novamente a seguir), entendendo como grande diferencial a capacidade de envolver
de tal modo os leitores nos acontecimentos narrados que, uma vez fechado o
volume, as possibilidades da história ecoam de muitas maneiras na cabeça, o
que, dada a baixa potência dramática de muita coisa que li em 2012, acabo por
considerar sim uma qualidade, talvez não a principal para a crítica
especializada, mas uma qualidade sem a qual muita coisa boa por aí acaba se
tornando... chata.
Digo tudo isso sabendo que posso estar enganado.
Ainda resta pouco menos de duzentas páginas e em pouco menos de duzentas
páginas qualquer livro extraordinariamente promissor pode decepcionar. Mesmo a
Bíblia. Descartada essa possibilidade, todavia, o que fica é o impacto de um
livro, que pode se potencializar, o que apenas confirmaria o talento de Daniel
Galera, ou arrefecer, o que seria uma zebra literariamente falando.
Por impacto entendo: a força das cenas e
dos personagens, a plausibilidade da tensão dramática criada no universo
ficcional e a linguagem.
Em todas essas áreas Barba ensopada de sangue é bem sucedido.
O único senão que faço até aqui diz
respeito a algo que considero excessivo: o hiper-realismo e a superabundância de
descrições tornaram esse romance desnecessariamente longo. Presente desde o
começo, a impressão é de que passeios de barco, mergulhos no mar e conversas
fortuitas com nativos poderiam ser resumidos ou sintetizados ou apenas sugeridos
ou rearranjados de modo a não criarem essa gordura.
Cito o caso do encontro com o cantor
nativista Índio Mascarenhas e o protagonista, o herói sem nome, que só ocorre
depois de percorrida toda a diversidade de atrações que se apresentarão na
feira de Garopaba e conhecida a infinidade de sortimentos das banquinhas de
doces à exposição.
Cito também a primeira vez em que o
protagonista resolve pescar com o arpão que ganhou do Bonobo. Até o arremate do romance, espero que essa passagem específica ilumine ou seja
iluminada de alguma maneira, assumindo função antes insuspeita na história.
Tirando certo preciosismo ou compulsão por
detalhes que no geral têm pouca ou nenhuma importância, como informar
deliberadamente o nome de uma seguradora de cartão que estampa o guarda-sol sob
o qual se esconde uma jovem que tomará conta de Beta enquanto o herói dá um
mergulho (bem no primórdio de tudo), é um livro e tanto, capaz, como disse ali
em cima, de prender e criar ressonâncias o tempo inteiro.
Apesar dos trechos que pedem com insistência:
pulem essa parte, por favor.
A essa dispersão do autor um crítico chamou
de “gratuidade narrativa”. Considero, porém, menos gratuidade que preciosismo.