Passado tanto tempo, talvez não houvesse sequer uma resposta, método prático que não resultasse em gasto excessivo de energia nem fratura dolorida, um aceno discreto, leve, que fosse possível aliviar no tempo do semáforo, que fosse possível.
Procurava desatento havia meses, mencionara essa remota possibilidade em conversa reservada, esquadrinhar situações, antecipar negativas etc. Sem atropelos, tinha cumprido o roteiro do adolescente de 17 anos.
Ensaiava, sobretudo. Uma vida inteira de pré-projetos, rascunhos, antessalas, tudo a meio caminho, irrealizado por parte, equidistante.
Desafio, ocupação plena de ranhuras e cavidades, um preenchimento acabado, impossível, nervoso, errado, tudo virtual.
E se? Que bela merda isso tudo, acusava-se frequentemente com a mesma ferocidade com que atacava desafetos, que bela merda estar a dois mil anos luz.
Vejam como parece ridículo, impunha o convite a amigos, reparem atentamente em cada lance, o enredo, acompanhem toda a dramaturgia barroca mantida em fogo baixo, latente, a música, caracterização, entrega dos atores etc., e projetava mentalmente a breve história na parede rabiscada do comércio.
Sem amargura, alguém gracejaria. Sem amargura, ele repetiria baixinho.
Depois de oito ou nove cervejas, mais uma capirosca, refém desse riso grave de bêbado, deixou cair: “O tempo todo esteve aqui comigo, o tempo todo puxava a manga da minha camisa e me pedia o que quer que fosse, me pedia o que não podia, pedia apenas que ficasse ou nem pedia nada”.
O tempo todo eu não entendi.
Coleciono inícios, restos de frases, pedaços e quinas das coisas que podem eventualmente servir, como um construtor cuja obra é sempre uma potência não realizada. Fios e tralhas, objetos guardados em latas de biscoito amanteigado, recipientes que um dia acondicionaram substâncias jamais sabidas. Se acontece de ter uma ideia, por exemplo, anoto mentalmente, sem compromisso. Digo a mim mesmo que não esquecerei, mas sempre esqueço depois de umas poucas horas andando pela casa, um segundo antes de tropeçar na pedra do sono ou de cair no precipício dos dias úteis. Às vezes penso: dá uma boa história, sem saber ao certo de onde partiria, aonde chegaria, se seria realmente uma história com começo, meio e final, se valeria a pena investir tempo, se ao cabo de tantos dias dedicado a escrevê-la ela me traria mais felicidade ou mais tristeza, se estaria satisfeito em tê-la concluído ou largando-a pela metade. Enfim, essas dúvidas naturais num processo qualquer de escrita de narrativas que não são
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