Passado tanto tempo, talvez não houvesse sequer uma resposta, método prático que não resultasse em gasto excessivo de energia nem fratura dolorida, um aceno discreto, leve, que fosse possível aliviar no tempo do semáforo, que fosse possível.
Procurava desatento havia meses, mencionara essa remota possibilidade em conversa reservada, esquadrinhar situações, antecipar negativas etc. Sem atropelos, tinha cumprido o roteiro do adolescente de 17 anos.
Ensaiava, sobretudo. Uma vida inteira de pré-projetos, rascunhos, antessalas, tudo a meio caminho, irrealizado por parte, equidistante.
Desafio, ocupação plena de ranhuras e cavidades, um preenchimento acabado, impossível, nervoso, errado, tudo virtual.
E se? Que bela merda isso tudo, acusava-se frequentemente com a mesma ferocidade com que atacava desafetos, que bela merda estar a dois mil anos luz.
Vejam como parece ridículo, impunha o convite a amigos, reparem atentamente em cada lance, o enredo, acompanhem toda a dramaturgia barroca mantida em fogo baixo, latente, a música, caracterização, entrega dos atores etc., e projetava mentalmente a breve história na parede rabiscada do comércio.
Sem amargura, alguém gracejaria. Sem amargura, ele repetiria baixinho.
Depois de oito ou nove cervejas, mais uma capirosca, refém desse riso grave de bêbado, deixou cair: “O tempo todo esteve aqui comigo, o tempo todo puxava a manga da minha camisa e me pedia o que quer que fosse, me pedia o que não podia, pedia apenas que ficasse ou nem pedia nada”.
O tempo todo eu não entendi.
Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por
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