Tio, estou doente, mas só um pouco, respondeu a sobrinha, logo desfazendo o nó que lhe havia crescido na barriga ao ouvir o relato dramático da mãe, na cabeça a sobrinha estava prestes a desencarnar, mas longe disso, podia agora livrar-se apenas por algumas horas do breve incômodo que se apodera das almas sem vínculos e dos corpos flutuantes.
Por enquanto, tudo era diferente. Distante da família havia semanas, afundado nos próprios termos, negócios, taras, velhacarias abundantes, uma existência particular, desprendida, a voz da sobrinha então soava plena de vigor, uma raiz de tão forte arrebenta a calçada e cresce tortuosa, a contragosto de todas as horas enfermiças. O mágico cozimento do tempo levado ao afago da avó, da troca de palavras desajeitada com a bisavó, do longo abraço no avô recém-chegado.
Tio, repetiu, estou bem, estou apenas brincando, não é pintando, é brincando, ouviu mais uma vez, e sorriu.
Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...
Comentários