Tio, estou doente, mas só um pouco, respondeu a sobrinha, logo desfazendo o nó que lhe havia crescido na barriga ao ouvir o relato dramático da mãe, na cabeça a sobrinha estava prestes a desencarnar, mas longe disso, podia agora livrar-se apenas por algumas horas do breve incômodo que se apodera das almas sem vínculos e dos corpos flutuantes.
Por enquanto, tudo era diferente. Distante da família havia semanas, afundado nos próprios termos, negócios, taras, velhacarias abundantes, uma existência particular, desprendida, a voz da sobrinha então soava plena de vigor, uma raiz de tão forte arrebenta a calçada e cresce tortuosa, a contragosto de todas as horas enfermiças. O mágico cozimento do tempo levado ao afago da avó, da troca de palavras desajeitada com a bisavó, do longo abraço no avô recém-chegado.
Tio, repetiu, estou bem, estou apenas brincando, não é pintando, é brincando, ouviu mais uma vez, e sorriu.
Coleciono inícios, restos de frases, pedaços e quinas das coisas que podem eventualmente servir, como um construtor cuja obra é sempre uma potência não realizada. Fios e tralhas, objetos guardados em latas de biscoito amanteigado, recipientes que um dia acondicionaram substâncias jamais sabidas. Se acontece de ter uma ideia, por exemplo, anoto mentalmente, sem compromisso. Digo a mim mesmo que não esquecerei, mas sempre esqueço depois de umas poucas horas andando pela casa, um segundo antes de tropeçar na pedra do sono ou de cair no precipício dos dias úteis. Às vezes penso: dá uma boa história, sem saber ao certo de onde partiria, aonde chegaria, se seria realmente uma história com começo, meio e final, se valeria a pena investir tempo, se ao cabo de tantos dias dedicado a escrevê-la ela me traria mais felicidade ou mais tristeza, se estaria satisfeito em tê-la concluído ou largando-a pela metade. Enfim, essas dúvidas naturais num processo qualquer de escrita de narrativas que não são
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