SETENTA E DUAS FORMAS DE LER O MESMO POEMA. EM MANUAL DE ACROBACIAS N.1, O POETA CARLOS AUGUSTO LIMA PROPÕE UM JOGO DE MOVIMENTOS QUE PARTE DOS GESTOS MÍNIMOS DO ACROBATA E CHEGA AO INESPERADO DA QUEDA LIVRE
HENRIQUE ARAÚJO>>>ESPECIAL PARA O POVO
Acrobacias de poemas, nomes, séries. Capítulos embaralhados de uma novela. Há algum tempo, o poeta Carlos Augusto Lima quis premiar amigos enviando-lhes um poema. O mesmo poema, mas com alterações mínimas, significativas. Escrito, o texto foi remetido por e-mail para uma lista contendo 72 nomes. Logo, havia 72 poemas diferentes. Misturados, mas obedecendo à ordem alfabética dos nomes dos destinatários, as dezenas de jogos ganharam a forma inesperada do livro. Chamam-se Manual de Acrobacias n.1 e têm lançamento hoje, às 19 horas, no restaurante Verde Lima, na Aldeota.
Os poemas tratam da repetição, do esgotamento, da linguagem. Em entrevista a O POVO, Carlos Augusto descarna o seu Manual: quis incomodar, jogar, brincar. De passagem, passar ao seu mailing mais que uma corrente exigindo sangue de qualquer tipo para algum acidentado na cidade.
O POVO - “Esta é uma experiência da surpresa e do imprevisto.” São 72 poemas que começam e terminam de modos semelhantes. Como as séries acrobáticas, que têm início quase sempre com os mesmos saltos e, no meio do espetáculo, mudam. Como essas variações foram surgindo? E como a amizade participou desse processo?
Carlos Augusto Lima - Para início de conversa: você foi muito feliz na referência às séries acrobáticas. As acrobacias do manual passam exatamente por ai. Essa série de poemas surgiu em outubro de 2007 como uma tentativa de vencer o tédio, uma tentativa de romper um silêncio, um marasmo particular, das companhias, das amizades e da cidade, esta que habitamos, profundamente ruidosa, mas tímida e lacônica, principalmente tratando-se de idéias. Resolvi ofertar esses poemas a 72 pessoas, todas presentes na minha lista de contatos de e-mail (esses os nossos leitores possíveis) e os repassei devidamente dedicados, com afeto e generosidade. O problema é que o mesmo poema foi ofertado. Mas só aparentemente, pois dentro do mesmo poema havia um jogo, um exercício de, como você disse, variações acrobáticas, que foram surgindo entre a naturalidade e o artifício, o cálculo e, o que muito me chamou a atenção, a exaustão, o cansaço do próprio poema. O livro parte também muito disso: do esgotamento da própria idéia do que é o livro de poemas, da previsibilidade deste e sua realização.
OP - “Um abismo. Diga comigo: um abismo.” Acrobacias e abismos: um salto sem rede. Manual de acrobacias n.1 celebra o risco?
Carlos Augusto - O poeta Cacaso é que escreveu uma vez que, o fato do sujeito se dizer poeta, querer ser poeta já é, em si, um gesto da maior rebeldia, uma postura tremendamente revolucionária. Isso na década de 70. Mas, penso, ainda mais hoje, pois, se a questão não está mais nas discussões ideológicas, está então, numa rebeldia contra a idiotização do mundo. Vive-se num tempo em que quanto mais idiota a informação, melhor. A idiotice é a regra. E ela é sedutora, claro, mesmo eu me deixo levar por ela. Mas noto um risco ainda maior para as novas gerações, que não percebem isso e confundem diversão e alegria com idiotia e burrice. Entre a idiotização do mundo e o poema, eu prefiro o poema. Prefiro o risco. Porque quem opta pelo poema não pode preocupar-se com a rede lá embaixo, com o que irá amortecer a queda. Porque a queda é a condição do mundo. Já estamos todos, sem exceção, desabados. Da acrobacia, me interessa é o voo.
SERVIÇO: Lançamento do livro de poesias Manual de Acrobacias n. 1 (Editora da Casa e Editora da Vila, 76 páginas. R$ 10), de Carlos Augusto Lima, hoje, às 19 horas, no restaurante Verde Lima, na Aldeota.
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