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Run, Fun, Gun, Sun

Tanto tempo.

Vi “Burn after reading”. O que achei? Bom, achei que o humor negro sai perdendo. Quando ele chega, surpreende. As pessoas no cinema se assustaram. Entreolharam-se. Não esperavam nada do que viram.

Explico: uma coisa é ser previsível. Não é o que estou pedindo. Outra diferente é pavimentar o caminho para uma escolha que será feita posteriormente. Sacaram? Um personagem todo contido não pode, nas cenas finais, dançar na chuva. Ou pode?

Talvez o exemplo seja mesmo ruim.

O cinema já foi um lugar tranqüilo. Sim, já foi. Ontem tive de fazer algo que me desagrada muitíssimo: chamar a atenção de alguém. Não sei fazer. Se me pedem para fazer qualquer coisa – desarmar uma granada que algum maluco instalou atrás do bebedouro da escola, eu vou lá e faço. Agora, não me peçam para dizer a quem quer que seja que, caso ela continue a chutar a droga do assento ao meu lado alguma coisa muito errada vai acontecer, isso eu não consigo. Não mesmo.

Pois foi exatamente o que aconteceu no cinema. Alguém ficou 2/3 da sessão chutando a cadeira ao meu lado. Digo, ela – era uma garota – empurrava com os pés a cadeira. Atrapalhou pacas. Noutra hora, as duas – porque tinha uma outra garota também – ficavam dando risadinhas de coisas estúpidas. E até chegaram a chamar um cara que não conseguia parar de rir de “pirangueiro”. Pode?

Sim, pode. Elas fizeram isso. E comentavam baixinho “Cara, que graça tem esse filme?”

No final, tudo certo. Quer dizer, o filme até que valeu o ingresso. Apenas lamento que os Irmãos Coen insistam tanto nessa fórmula. Vejam “Porcos & Diamantes”. Tem gente que consegue assistir duas ou três vezes. Eu vi uma. Ri tanto que, duas semanas depois, marquei nova sessão. Não consegui ir até o fim. As cenas haviam perdido a graça da novidade. Sem ela, nada feito. Nada de magia.

Porque esse esquema do humor negro está encalacrado, saca? Criaram uma fórmula e agora não conseguem mais fugir dela. Uma pena mesmo. Os Coen fazem isso no filme novo. Você se esforça, ri do Brad Pitt desfilando aqueles trejeitos de Tyler Durden/Aquiles e o George Clooney surtando no final. Fora isso, nada. Quer dizer, tem a cena do cara que se surpreende com a doideira do mundo atual, muito parecida com a do Tommy Lee Jones em “Onde os fracos não têm vez”. Fora isso mesmo, nada.

O Gleiser falou de
uma coisa interessante. A Tiburi também. Bom, ainda não li, mas superficialidade parece tão interessante quanto os padrões matemáticos presentes na natureza.

Leio “O verão do Chibo”. Bem, até aqui... Na página 50, aprendi que a Bulgária é o reino do milho e que o lugar proibido é a casa. Que Chibo virou adulto. Não posso dizer mais nada.

Hoje também li uma ótima entrevista no Mais! com Frans Krajcberg e Meredith Monk. Boa mesmo. Começa meio fraca, muitos lugares-comuns, frases de efeito. E ando implicando bastante com frases de efeito. Depois, engata. O Teixeira Coelho, curador do Masp, disse o que segue a certa altura (ele foi convidado pela “Folha de S. Paulo” para acompanhar a visita de Monk a uma exposição do Frans):

Os trabalhos se juntam nesse momento: Kracjberg escapa do mundo real para fazer uma construção poética. É o mesmo tipo de trabalho, mas com meios inteiramente diferentes. Muita gente que estuda a arte chegou à conclusão de que a única coisa que a arte mostra são as relações entre os homens, não o mundo. Por mais que olhemos sua escultura ou vejamos sua dança e seu canto, não vamos ver o mundo. E então não vamos acordar em relação à Amazônia. Em outras palavras: a arte, em vez de revelar o mundo que está aqui, o esconde ainda mais. Talvez por isso você sinta a necessidade de colocar sua foto junto. Sua foto cava um buraco nessa camada de arte que você coloca por cima. E abre espaço para o mundo, pois só a arte não vai mostrar o mundo.

Daí que achei curioso alguém dizer sem pestanejar “A arte não mostra o mundo, mas o esconde”. Quer mostrar, mas só esconde. Revela as relações entre homens e entre homens e meio. Não o mundo. Talvez o contrário. O contrário do mundo? O contrário do mundo.

Sim, é fácil dizer: a arte não revela o mundo. É fácil. COMO PODERIA? NÃO PODE. Ele diz: a idéia do belo seqüestra a pulsão imediata, que era a de revelar a todos as queimadas na Amazônia – no caso específico de Krajcberg. Colhidas, as toras de madeira carbonizadas tornam-se peças de arte. São bonitas, atraem. Há a idéia de beleza mais que a de atitude política. Quer dizer, mais que o desejo político.

Mas isso é besteira. Falemos de coisas amenas. Hoje vi Pedrinho no programa do Gugu. Um dia gostei do Gugu. Tinha “Passa ou Repassa”, um programa de perguntas e respostas típico. DEPOIS, “A BANHEIRA DO GUGU”. Em resumo: mulheres punham biquínis que cobriam menos de 0,3% do seu corpo e depois se exibiam na banheira catando sabonetes atirados ao fundo. Não raro, viravam as bundas – que eram grandes e gordas – para a câmera. Aquilo me dava uma sensação boa. Aos 15 ou 16 anos, ver grandes porções de carne salomonicamente divididas por fios azuis ou vermelhos ou amarelos sacudindo-se a três metros do seu rosto (geralmente me aproximava da tela nessas horas) tinha lá a sua cota de prazer. Gostava de filosofia e Street Fighter. Super Mario World, Stephen king e O. G. Mandino. Nas horas vagas, BANHEIRA DO GUGU.

Saí do coma anos depois.

Voltando ao Pedrinho. Tem a Maísa e o Pedrinho, sacam? Os dois rivalizam. Quer dizer, na frente da Maísa, Pedrinho é um monge. Na frente de Pedrinho, Maísa é uma Diablo Cody. Dito isso, sigo.

Gugu pergunta. Pedrinho revira os olhos e diz qualquer coisa. Gugu pede que Pedrinho, que tem só três anos e é do Ceará, identifique cada uma das frutas postas diante dele numa banquinha que simula a venda de mercado. São frutas típicas do Ceará. Sentado, eu identifico acerola, ata e pêra. Pedrinho, duas a menos. O menino olha os próprios pés com alguma freqüência apenas inferior à que se dirige à própria mãe. Como se implorasse, como se implorasse, lança pequenos olhares de medo e ternura ao mesmo tempo. Exige de alguma maneira ser resgatado daquela jaula onde um apresentador que fantasia traficantes quer saber por que ele tem medo do mar.

“Ora, Gugu, vá tomar no cu!!!” – Pedrinho pensará dez ou vinte anos depois.

Gugu assustou Pedrinho mais que João Inácio Jr.? Incrível.

Gugu pede que Pedrinho cante outra canção. Pedrinho diz que eram três e que, por isso, não pode cantar quatro. Porque eram três. E ele tem três anos. Por isso havia ensaiado três canções apenas. Não cantaria quatro porque a quarta canção não tinha sido ensaiada. Assim como o quarto aniversário é só no ano que vem e não neste. Sacam?

Mesmo assim, Pedrinho dá uma colher de chá e canta. Ele fala como o Cebolinha. Claro, ele canta como o Cebolinha.

No João Inácio Jr,. Pedrinho encerrou a sua apresentação mais cedo do que o combinado porque achou que já era hora de ir até o Habib’s comer esfirra. “Minha mãe prometeu me levar para comer esfirra quando acabasse”, ele disse. Queria acabar logo com tudo e comer. Olhava para a mãe e convidava: “Vamos, mãe?”

Para a mãe do Pedrinho: cara, não deu pra sacar que o moleque não quer ser o rival da Maísa?!

Preciso dormir. Venho adiando há pelo menos meia hora a despedida. Hoje não faço correções. Vai do jeito que estiver. Estou cansado. Amanhã acordo cedo. Minha última semana de aula antes do último semestre na faculdade. Uma semana definitiva. Quer dizer, nem tanto. Apenas porque é a última, sim.

Coisas derradeiras têm mais peso porque, depois delas, nada.


PS 1.: ia embora quando olhei pra trás e vi que algumas coisas tinham mudado. Sutil, mas perceptivelmente. Na verdade, trata-se do tamanho da fonte. Esqueci de aumentar. Quando vi, estava assim, pequena. Ou normal, como queiram. Digam apenas:

A FONTE ESTÁ PEQUENA? Para “Sim”, liguem 3251 5463. “Não”, 3258 5654. Se alguém estranhar a ligação, por favor, desliguem.

Até.



PS 2: antes de dormir resolvi que deixar tudo como está é a melhor das opções. Depois conversamos. Esqueçam os telefones.

Por favor, se xingarem vocês, desliguem. Um desses números pode ser o do delegado da comarca.

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