Li O apanhador no campo de
centeio antes dos 20 anos, depois aos 26 e finalmente aos 30 e poucos. Agora,
volto ao livro perto dos 40. É uma história e tanto, que muda a cada nova
chegada, mas preserva uma vitalidade incrível.
J. D. Salinger escreveu outros
livros depois disso. Alguns publicados, outros mantidos em segredo até hoje e
cuja divulgação o filho, herdeiro do espólio, decidiu começar a ceder.
Mas é a história de Holden
Caulfield que desperta fascínio. Tentar entendê-la é uma coisa engraçada e
prazerosa, porque é como se quiséssemos compreender os motivos pelos quais
gostamos de uma pessoa e desgostamos de outra. Há razões, claro, mas nenhuma
facilmente identificável. E cada leitor ou leitora acaba descobrindo as suas,
em épocas e momentos diferentes da vida.
Holden é irritante como
qualquer adolescente, mas sua voz carrega essa franqueza cristalina difícil de
encontrar. É despida de artifícios. Presumo que seja a voz do próprio Salinger
falando ali e pedindo que a gente desconfie das coisas. Que a gente cuide do
que é precioso. Que a gente estabeleça relações genuínas entre si.
Essa é minha razão para gostar
do livro. Não apenas porque é honesto, mas porque arremata de uma maneira que
acho comovente, com essa imagem de um jovem que tenta impedir que as crianças
se extraviem do campo onde brincam ao cair num abismo.
O que isso fala? Que, ao fim
das contas, o jovem de 16 anos quer preservar uma coisa que ele imagina que é
difícil de encontrar em qualquer lugar: a inocência. Projeta isso na irmã mais
nova, que não é “fajuta” como o irmão mais velho, agora rico depois de publicar
um livro infantil sobre a história de um menino que tem um peixe secreto.
Reparem nesse detalhe: uma
criança tem um peixe secreto. Um segredo, algo que ninguém mais tem. E, do dia
para a noite, o irmão passa de uma situação social remediada para a riqueza ao
vender esse segredo.
É uma passagem curta, já no
começo da história, mas que se conecta perfeitamente com seu final e ilumina a
vida de Salinger. O que Holden procurava o tempo inteiro era essa conexão
verdadeira com as pessoas, um traço que irá influenciar outros escritores, como
David Foster Wallace – não por acaso, autor de um discurso para estudantes que
cita dois peixinhos.
É disso que se trata, afinal.
De um tipo de atenção que devotamos e pela qual não pedimos nada em troca. Budista, Salinger conseguiu transformar esse
ensinamento num personagem de carne e osso, que se volta para o mundo
genuinamente curioso.
Cito outro trecho. Holden entra
num táxi. Ao perceber que o motorista está distraído, pergunta se ele sabe para
onde vão os patos que ficam no lago no inverno. O taxista olha para ele e
pergunta se isso é uma piada.
Mas não era. É o tipo da coisa
desimportante que interessaria a Holden.
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